Por Luís Oliveira, no blogdopirangueiro.zip.netabracao Até a chegada da família Real portuguesa, em 1808, inexistia uma unidade nacional.

A noção de um único Brasil era substituída pelos diversos polos regionais, com frágil ligação entre si.

Esta situação muda radicalmente com a instalação da Corte.

A fuga da Europa trouxe para o país a abertura dos portos, a transferência da burocracia estatal e até uma instituição financeira, o Banco do Brasil.

Nesse processo, uma cidade ganhou muito mais que qualquer outra.

Dom João IV percebe a necessidade de estabelecer o Rio de Janeiro como uma metrópole portuguesa nos trópicos.

Para sustentar esta nova Lisboa, que demandava novas vias calçadas, pontes, palácios e iluminação pública, o rei tratou de instituir tributos que eram cobrados em todas as províncias.

Era comum o tesouro real fazer saques antecipados das receitas de impostos pagos pelas províncias para bancar o luxo da Corte. “As outras províncias tiveram de sustentar o Rio”, afirma o historiador Evaldo Cabral de Melo.

Um caso específico chegava a ser gritante.

Recife, capital de Pernambuco, não tinha iluminação pública, mas seus habitantes pagavam um imposto para custear a iluminação do Rio. 200 anos depois, a história parece se repetir.

Mas como uma farsa ao contrário.

Quarta-feira estive no Rio de Janeiro.

No meu caminho, além da chuva, uma passeata organizada pelos Poderes Públicos fluminenses, contra a chamada emenda Ibsen, proposta pelos deputados federais Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG).

A polêmica emenda Ibsen redefine os critérios de redistribuição dos royalties pagos pela exploração de petróleo, inclusive para a camada pré-sal.

Segundo a emenda, 40% dos royalties ficariam com a União, 30% com os Estados e 30% com os municípios, acabando com o tratamento diferenciado que os Estados produtores, como RJ e ES, têm hoje.

A emenda Ibsen ainda vai a discussão no Senado, mas já provocou revolta no Rio, motivando protestos da população, capitaneada pelo governador Sérgio Cabral.

Pelo tempo que fiquei no Rio, pude perceber a organização pela sua rejeição na Câmara Alta.

Sérgio Cabral chegou a fantasiar choro em público, deu ponto facultativo para que os servidores pudessem comparecer ao protesto e, junto aos prefeitos, organizou caravanas do interior com pessoal para engrossar o coro dos descontentes.

O jornal O GLOBO comprou a briga e assumiu uma postura extremada, qualificando a emenda, aprovada por 369 votos a favor e apenas 72 contra, como “golpe” contra o Rio.

Todos, governo local e imprensa, tentam colocar a faca no pescoço do presidente Lula, para que este adiante que vai vetar qualquer alteração.

Até o Cristo redentor entrou nessa campanha.

O problema é mais extenso do que parece.

O pagamento de royalties pela extração do petróleo busca não apenas compensar o prejuízo ambiental mas sobretudo a mudança nas regras do ICMS, que passou a ser cobrado pelos Estados vendedores e não pelos produtores.

Por isso a União abriu mão de parte de seu patrimônio – as reservas petrolíferas – preservando um equilíbrio federativo.

Sucede que, na medida em que se encontram jazidas, incrustadas na camada pré-sal, com volume muito superior às até então conhecidas, a possibilidade de incremento nos ganhos torna necessária a alteração também nos critérios de redistribuição dos royalties.

Esta medida viria com a definição do marco legal do pré-sal e serviria apenas para o que fosse extraído dessa camada.

Só que o governador do Rio bateu o pé e exigiu que se mantivesse o mesmo critério também para esta nova área a ser explorada.

Esta postura arrogante e agressiva colocou o seu Estado nesta sinuca de bico.

Bater o pé é um ato que pouco adianta nas negociações congressistas.

A solução encontrada pela Câmara dos Deputados, porém, ofende o bom senso.

Substitui uma regra ruim por outra temerária.

Os recursos das camadas pós-sal já constam da programação orçamentária e de vários contratos assumidos pelos Estados e Municípios produtores.

Alterar radicalmente esta distribuição levaria de fato à falência destes entes.

Fora que ficaria na mira de milhares de decisões judiciais em sentido contrário.

A melhor e mais justa das medidas seria preservar o regime de distribuição das áreas já licitadas e impor os novos critérios para a zona do pré-sal.

A meu ver, esta será a solução encontrada pelo Parlamento.

Só que os atores políticos também jogam.

Como meio de persuadir a opinião pública e forçar a negociação com os produtores, avançaram além do que seria razoável.

Ante a esta ameaça real – haja vista que no Senado são apenas 3 Estados produtores contra todos os demais – terá de haver uma boa negociação.

A pantomima do governador do Rio se compreende neste sentido.

A prevalecer a solução aqui defendida, ele sai de campo como paladino dos interesses fluminenses, como homem que conseguiu dobrar o Parlamento, pauta relevantíssima num ano eleitoral.

Por sua vez, os representantes dos outros Estados também saem bem na foto, ao conseguirem mais recursos para seus quinhões.

Todos vão para casa felizes para sempre. É o que espero.

Só que, até lá, vai ser duro assistir a todo este festival de besteiras que força a barra em favor do Rio.

Colocar o presidente Lula contra a parede, antes da decisão do Senado, é desrespeitar não apenas o mandatário maior do país, mas também o Parlamento e os demais Estados nele representados.

Afirmar que a Copa e as Olimpíadas estão ameaçadas com a medida é agredir a inteligência do povo, que se lembra muito bem de onde veio a maior parte dos recursos para o PAN, por exemplo.

Alegar que o Rio vem sendo discriminado é ignorar todos os benefícios históricos que a cidade maravilhosa sempre recebeu.

E chorar em público é atestar que Sérgio Cabral não passaria na escolinha de atores da Globo.

PS: esta questão ainda vale outro dedo de prosa.

Prover a maior parte de seus ganhos de uma única fonte de renda, ainda por cima sem ser fruto do trabalho, mas de uma dádiva da natureza, é um mau negócio em qualquer economia, seja na Venezuela, no Oriente Médio ou até na Noruega.

O Rio de Janeiro tornou-se dependente do petróleo ao extremo e pode demorar, mas o ouro negro um dia acaba.

E não há demonstração de que os agraciados venham trabalhando para diversificar sua economia.

Sobre o assunto, conferir o estudo “Royalties não melhoraram vida de municípios produt ores”.