Afonso Benites da Folha de S.Paulo “O Glauco nunca gostou de drama nem de sofrimento.
Estou sofrendo, mas não vou fazer drama”. É assim que a artista plástica Beatriz Galvão Veniss, 49, viúva do cartunista Glauco Vilas Boas, 53, resume o momento que está passando após o assassinato do marido e do enteado, Raoni, 25.
Vestindo uma camiseta com uma tira de um dos personagens de Glauco, o Cacique Jaraguá, ela diz não ter vontade de vingança e que está “aliviada” por saber da prisão de Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, 24, suspeito pelo assassinato. “Estamos reagindo com muita dor, mas não somos um povo de vingança.
Somos de Cristo e queremos buscar a alegria”.
Ao lado da filha Juliana Vennis, 31, da namorada de Raoni, Gercila Pinheiro, 25, do enteado Ipojucã Vilas Boas, 26, e do neto Unaqui Vennis da Silva, 6, a artista plástica afirma que pretende continuar a obra de Glauco na igreja Céu de Maria, do Santo Daime, da qual era fundador e o líder religioso. “Ele não deixou só uma viúva e três filhos.
Ele deixou 300 órfãos na igreja.” FOLHA - Como tem sido esses dias após a morte do Glauco?
BEATRIZ GALVÃO VENISS - Estamos reunidos aqui [na casa de amigos] porque o assassino ainda estava solto e ameaçando.
FOLHA - Ele te ligou?
BEATRIZ - Sim, me ligou no dia seguinte ao crime.
Nem deixei ele falar.
Atendi o telefone e ele falou: ‘Oi Bia’.
Meu coração disparou porque eu reconheci a voz dele, na hora.
Eu disse: ‘Não acredito que você está me telefonando, seu assassino!’.
Aí ele desligou.
Mas o meu advogado me informou que poucas horas após ele ter me ligado ele estava lá perto de casa.
A polícia rastreou o telefone dele e disse que ele estava por perto.
FOLHA - Ele continuou na região?
BEATRIZ - Ele queria me matar também.
Ele disse que queria matar nós dois.
O Glauco que batalhou para ele não me levar.
FOLHA - Como foi o crime?
BEATRIZ - Ele abordou a Juliana no portão e nós dois já estávamos deitados, assistindo a um filme quando a Juliana me chamou pela janela.
Eu achei esquisito porque ela tem a chave da minha casa.
Ela mora na casa ao lado.
Eu desci primeiro e quando eu desci já a vi com um revólver na cabeça dela.
FOLHA - A sra. reconheceu o Cadu?
BEATRIZ - Não.
Eu achei que era um ladrão.
Eu só reconheci o depois.
O Glauco desceu logo em seguida.
Quando ele viu o Glauco, já começou a falar: ‘Quem é que agora você vai dizer que é o homem, que é o poderoso?
Você não acreditou que eu era Jesus?’ E deu um soco no rosto do Glauco.
Ele apontava a arma para todos os lados e dizia: ‘Agora vocês vão ver quem é o poderoso.
Eu vou te matar, seu babaca’.
FOLHA - Então ele entrou para matar mesmo, não tinha nenhuma outra possibilidade?
BEATRIZ - Não.
Foi premeditado.
Você não viu o jeito dele na televisão?
Ele estava transtornado, mas queria agredir porque o Glauco não acreditou quando ele disse que era Jesus.
Me falaram que a ideia dele era matar todo mundo que não acreditou que ele era Jesus.
FOLHA - E na sequência…
BEATRIZ - Depois que ele disse ser Jesus, ele bateu no Glauco.
O Glauco chamou ele para conversar e pediu para sentar.
Ele [Nunes] sentou e aquele outro cara que estava com ele [Felipe Iasi] também.
Eu fiquei em pé dizendo para ele abaixar a arma.
Ele tacou a arma na minha cabeça.
O Cadu botou a arma na própria cabeça e o Glauco disse: ‘Não faz isso, não quero que se machuque’.
FOLHA - Ele tentou interceder?
BEATRIZ - É, aí ele dizia então você vai comigo para dizer quem é o homem, no sentido de que era o poderoso, o profeta.
Eu entendi na hora que era para dizer para a família dele.
Aí o Glauco saiu com ele e esse outro menino que estava com ele, o tal de Felipe.
FOLHA - Conhecia o Felipe?
BEATRIZ - Não.
FOLHA - Cadu frequentava a igreja?
BEATRIZ - Ele chegou a frequentar por um tempo.
Mas tinha mais de ano que ele não ía.
Dizem que ele estava lá no Ano Novo, mas eu não o vi.
FOLHA - Ele era amigo do Raoni?
BEATRIZ - Era, assim como os outros meninos da igreja.
O Raoni era um menino alegre, nunca negou amizade para ninguém.
FOLHA - Voltando à cena do crime, o que mais aconteceu?
BEATRIZ - O Glauco saiu da casa com o Cadu e ficaram atrás de uma cerca viva de bambu, que tem na frente de casa.
Quando eu vi que eles saíram, corri para pegar o telefone e chamar a polícia.
O Raoni chegou em seguida da faculdade com a namorada e com o João Pedro, um amigo dele.
O Raoni abriu o portão e viu o Cadu com a arma na cabeça do Glauco.
Ele gritou: ‘Que é isso Cadu que está acontecendo aqui?’.
A Gercila disse que o Raoni se ajoelhou pedindo para não fazer nada com o Glauco.
Ela entrou e ficamos na varanda escutando, atrás dessa cerca de bambu e rezando.
Quando estávamos rezando na varanda, escutamos os tiros.
FOLHA - E o João Pedro, onde estava nessa hora?
BEATRIZ - Ele não entrou na casa.
Acho que se escondeu no banheiro, perto da igreja.
Não sei se ele viu muito bem o crime.
FOLHA - A senhora não viu o crime?
BEATRIZ - Não.
Quando eu ouvi os tiros, fui correndo lá para fora.
Foram vários tiros.
Deu dez tiros.
Saímos correndo e vimos o Glauco caído para um lado, o Raoni caído para o outro e nem pensei nele [Cadu].
FOLHA - E o Felipe Iasi?
BEATRIZ - Quando o Felipe estava dentro de casa eu perguntei para ele: ‘Por que você trouxe esse menino aqui?’ Ele respondeu: ‘Você não sabe o que eu passei com esse cara hoje’.
Aí eu dizia para ele me ajudar, mas ele fez sinal com o ombro de que não podia fazer nada.
FOLHA - Mas o Felipe disse à polícia que foi sequestrado pelo Cadu.
BEATRIZ - Diz ele que sim, mas eu não posso provar nada.
Agora, se ele fugiu, eu não entendo porque não ligou para a polícia.
Uma pessoa qualquer avisaria.
FOLHA - A senhora chegou a ver o carro saindo com o Cadu e o Felipe?
BEATRIZ - Não.
Eu vi o Glauco e o Raoni caídos no chão e não pensei em mais nada, só em socorrer eles.
Foi horrível uma noite de tortura, de terror, com maldade, crueldade que eu nunca pude imaginar viver.
FOLHA - O Cadu estava drogado?
BEATRIZ - Parecia.
Estava com aquele olhão arregalado.
Estava com aquela cara que apareceu TV [quando foi preso].
Mas eu acho mais que ele é um psicopata, de alta periculosidade.
Ele já bateu no avô dele.
FOLHA - Mas isso vocês já sabiam antes de ele frequentar a igreja?
BEATRIZ - Uma vez a avó dele falou que ele batia o avô.
Ele mesmo falou isso.
Mas naquele tempo que ele frequentava a igreja, ele tinha um respeito por nós.
FOLHA - Como a senhora se sentiu após a prisão do Cadu?
BEATRIZ - Aliviada.
Pelo menos não tenho mais a ameaça desse monstro na minha família.
FOLHA - Essa situação pode influenciar a situação da igreja que vocês fundaram?
BEATRIZ - Com certeza.
Ninguém consegue falar nada.
As pessoas só choram.
O Glauco era um líder espiritual de alto grau.
Ele dedicava a espiritualidade dele na linha da alegria, ele conseguiu conquistar muita gente.
Era um líder muito carismático e humilde.
FOLHA - A senhora deve se manter à frente da igreja?
BEATRIZ - À frente da igreja no lugar dele é impossível.
Vamos trabalhar em equipe.
Vamos ser um batalhão de amigos do Glauco e de discípulos dele.
FOLHA - Quais eram os planos dele?
BEATRIZ - A gente ia fazer uma igreja para 1.000 pessoas.
Compramos um terreno de 6 mil metros quadrados e íamos construir uma igreja maior [hoje, recebe cerca de 200 pessoas].
O público da igreja vinha crescendo.
FOLHA - E na questão profissional, ele planejava criar novos personagens?
BEATRIZ - Ele nunca foi de planejar nada.
Com o trabalho ele era muito satisfeito.
Sinto que se ele trabalhasse só na Folha, estava bom.
FOLHA - A senhora tem acompanhado os desdobramentos do caso?
BEATRIZ - Não vi nada até agora.
Não aguento mais.
Sou cristã, esposa do Glauco, líder espiritual.
Não quero vingança, quero segurança.
FOLHA - O que a senhora espera para o Cadu?
BEATRIZ - Espero que ele fique preso e não saia nunca mais.
Dizer que eu quero que ver a cara dele, dizer alguma coisa, que matem ele ou que o torturem não quero nada disso.
FOLHA - A senhora encontrou um motivo para o assassinato do seu marido?
BEATRIZ - A impressão que eu tenho é que o Glauco foi assassinado como um líder espiritual, como um John Lennon, um Gandhi.
FOLHA - Que tipo de droga o Cadu consumia?
BEATRIZ - Essa é uma boa pergunta para se fazer para a família dele.
Eles sabiam que ele tinha problemas com drogas.
Eles também são responsáveis por esse menino.
Eles deveriam ter tratado essa criatura monstruosa que tinham dentro de casa.
FOLHA - Como Glauco via a morte?
BEATRIZ - A morte na nossa religião é uma passagem.
O mundo aqui é de ilusão.
Viemos na Terra para graduar o espírito, para estudar.
Porque a vida eterna é a do espírito, e não a da matéria.
Você pode estar atravessando a rua agora e não estar mais aqui em poucos minutos.
O que importa é o espírito, ele que é a força.
FOLHA - E onde está o espírito do Glauco?
BEATRIZ - Acho que em alto grau.
Em alta esfera.
O dele e o do Raoni.
FOLHA - Parece que havia uma brincadeira entre a família com relação à idade em que morreriam.
O que era isso?
BEATRIZ - O pai e um irmão do Glauco, o Orlando, fizeram a passagem aos 53 anos.
Ele brincava com outro irmão de que estava em perigo, porque tinha chegado aos 53.
Dois dias depois de fazer aniversário, ele morreu.
Incrível, né?