O FORTALECIMENTO DA ELETROBRÁS E O DESMANTELAMENTO DA CHESF Por José Antonio Feijó de Melo Em 2002, último ano do governo FHC, pretendeu-se destruir a CHESF e demais subsidiárias da Eletrobrás, fragmentando-as para em seguida promover-se a privatização de suas partes por meio de uma operação que, felizmente, foi abortada em tempo.
Hoje, oito anos depois, justamente no último ano do mandato do Presidente Lula, novamente a CHESF encontra-se ameaçada de desmantelamento, agora em nome de um equivocado projeto que visaria o fortalecimento da Eletrobrás, mas que de fato apenas enfraquece as suas subsidiárias regionais.
Com efeito, depois de mais de sessenta anos de relevantes serviços prestados ao Nordeste e ao Brasil, a CHESF está agora diante da possibilidade efetiva de perda da sua identidade e de sua transformação em um simples “escritório” da Eletrobrás.
Na verdade, o referido projeto está apoiando-se indevidamente na manipulação e na distorção de uma elogiável proposição do Presidente Lula, que lançou a idéia de que “a Eletrobrás deveria ser na área de energia elétrica o que a Petrobrás é na área de Petróleo”.
Ora, ao expor esta idéia, certamente o Presidente não desejava que a pretendida grandeza da Eletrobrás se fizesse com a destruição das suas subsidiárias regionais.
Mesmo porque a Petrobrás, que nasceu sozinha, pelo seu próprio crescimento e fortalecimento acabou necessitando da criação de subsidiárias também fortes, enquanto a Eletrobrás, que num processo inverso nasceu depois da CHESF e de FURNAS, logo necessitou da incorporação das duas como suas subsidiárias para que ela, Eletrobrás, também já nascesse forte.
E sendo assim, cabe perguntar por que agora se faria necessário o aniquilamento da CHESF e de suas coirmãs regionais para que a Eletrobrás possa se tornar grande e forte?
A história desse equívoco pode ser resumida da seguinte forma.
Quando da implantação do modelo mercantil/privado do setor elétrico brasileiro nos anos noventa, no governo FHC, a Eletrobrás resultou sem função.
O setor elétrico passava a funcionar suportado apenas em três entidades: Aneel, ONS e MAE.
Não haveria atividade de planejamento e todas as empresas estatais do setor (estaduais e federais) seriam privatizadas.
A Eletrobrás, holding das empresas geradoras federais regionais, portanto, ficaria em processo de extinção como ficou a Telebrás.
Como se sabe este modelo não deu certo, sobreveio o racionamento e, ao tomar posse, o governo Lula teve de introduzir várias modificações para melhorar o seu funcionamento, mas infelizmente não lhe retirou o caráter mercantil.
Entre outras medidas corretoras, Lula criou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE em substituição ao MAE, retirou a Eletrobrás e suas subsidiárias do Programa Nacional de Desestatização - PND e reintroduziu o planejamento para a expansão do setor por meio da criação da Empresa de Pesquisa Energética - EPE.
Note-se que o planejamento era uma atividade forte da Eletrobrás antes da implantação do modelo mercantil de FHC.
Assim, no processo que conduziu ao modelo atual, a Eletrobrás perdeu, entre outras, as seguintes importantes funções que detinha antes de 1995: - Planejamento da expansão do sistema eletro-energético nacional, que exercia através do GCPS - Grupo de Coordenação do Planejamento do Sistema, atividade hoje exercida pela EPE; - Controle da operação do Sistema Interligado Nacional - SIN, que fazia por meio do GCOI - Grupo de Coordenação da Operação Interligada, atividade hoje a cargo do ONS; - Elaboração dos estudos de inventário e de viabilidade econômica dos aproveitamentos hidrelétricos nos rios das diversas bacias hidrográficas nacionais, hoje sem definição de responsáveis e à disposição de quem requeira autorização junto à Aneel; - Agente de financiamento de projetos de expansão do sistema com a administração de fundos institucionais específicos, atividade esta hoje realizada apenas de forma residual; - Elaboração dos estudos de mercado para subsidiar o planejamento da expansão do sistema, hoje executados pela EPE; - Elaboração e comando do Programa Anual de Treinamento e Desenvolvimento de Pessoal do Setor Elétrico, atividade hoje extinta.
Nestas circunstâncias, de fato, depois da implantação no setor do modelo mercantil, para a Eletrobrás restou apenas a função de empresa holding controladora de várias subsidiárias, entre as quais as quatro geradoras regionais CHESF, FURNAS, ELETRONORTE e ELETROSUL (esta atualmente apenas transmissora, pois as suas usinas foram privatizadas), além de algumas distribuidoras estaduais que não tendo sido privatizadas foram absorvidas pelo governo federal.
E nesta função de holding, embora sendo uma empresa estatal sujeita a todas as limitações impostas pela restritiva legislação pertinente, a Eletrobrás e suas subsidiárias têm de atuar num ambiente competitivo, onde predomina as chamadas leis de mercado dentro do mais puro modelo de capitalismo selvagem que se observa no setor elétrico nacional.
Assim, diante da nova situação que reduziu drasticamente a sua importância e na busca de uma nova identidade, em dado momento a direção da Eletrobrás contratou consultores e estabeleceu um processo interno de discussão, totalmente fechado, procurando encontrar uma proposta para sua nova estrutura dentro da condição imposta pelo novo modelo.
Em agosto de 2007, o ILUMINA teve acesso a algumas cópias de folhas de uma documentação datada de setembro de 2006 contendo proposta da reestruturação da Eletrobrás que então estaria em discussão.
Na época, considerando a importância do assunto e, ao seu ver, a total inadequação daquela proposta aos interesses nacionais, o ILUMINA elaborou e divulgou no seu site o documento intitulado “REESTRUTURAÇÃO DA ELETROBRAS - UMA PROPOSTA EQUIVOCADA”, como contribuição a um debate que o tema merecia, mas que nunca ocorreu.
No documento, o ILUMINA enfatizava que a Eletrobrás não podia descer da sua condição de empresa estratégica para tornar-se apenas mais “uma empresa com atuação no mercado em busca de novas oportunidades de negócios”, conforme preconizava textualmente a proposta.
E do mesmo modo, o ILUMINA discordava quanto à proposição de que a Eletrobrás e suas subsidiárias deveriam atuar de forma a priorizar exclusivamente o retorno econômico para o Grupo, abominando o foco de interesse regional, para concentrar-se apenas no foco por unidade de negócio.
Registre-se que naqueles dias o tema pareceu entrar numa fase de espera e assim permaneceu até que houve a modificação na direção da Eletrobrás, com a posse do atual Presidente.
Por coincidência, aquele mesmo que em 2002 propusera o modelo de cisão da CHESF (Ver Jornal do Commércio do Recife, de 27/01/2002), do qual deveria resultar a privatização de partes da Companhia, como era o plano do governo de então.
Ao que se sabe, os novos dirigentes da Eletrobrás retomaram aqueles estudos e, com o apoio do GESEL - Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, procuraram dar-lhes a falsa roupagem de que estariam seguindo a sugestão do Presidente Lula de fazer da Eletrobrás a Petrobrás do setor elétrico.
Mas isto não é verdade.
De fato, pode-se dizer que consciente ou inconscientemente estão tentando enganar o Presidente, pois a atual proposta, em lugar de fortalecer a Eletrobrás, na verdade a enfraquece, porque aceita e reconhece que ela não será o “braço forte” do governo federal para agir estrategicamente na execução de uma política governamental para o setor, mas que simplesmente conforma-se em ficar reduzida a ser mais uma empresa a atuar no mercado competitivo de energia elétrica, teoricamente em condições de igualdade com os demais “players”, como costumam falar, embora de fato em condições desvantajosas, em virtude das restrições a que está submetida pela sua condição de empresa estatal.
Como tal, não dispõe da flexibilidade administrativa das empresas privadas com as quais deveria competir, tendo em vista a obrigatoriedade de promover licitações públicas para os seus negócios, somente contratar pessoal por meio de concurso público e sujeitar-se às rígidas regras impostas pela fiscalização do TCU.
Na prática, a atual proposta de fortalecimento da Eletrobrás é totalmente ilusória e artificial, pois se fundamenta exclusivamente no enfraquecimento das suas subsidiárias regionais - CHESF, FURNAS, ELETRONORTE e ELETROSUL, as quais terão suas estruturas e atividades quase que efetivamente incorporadas pela holding, tendendo portanto a desaparecer com empresas individualizadas, ou pelo menos a perderem sua atual importância.
E para que não reste dúvida quanto à filosofia que preside a referida proposta de mudança (submissão ao modelo mercantil neoliberal), transcrevem-se abaixo duas das recomendações constantes do Relatório da Diretoria Executiva da Eletrobrás de nº 185/09, de 25/08/09, o qual fundamenta a Resolução nº 815/09 da Diretoria Executiva e em conseqüência a Deliberação nº 116/09 do Conselho de Administração da Eletrobrás, instrumentos normativos referentes ao atual processo de reestruturação da Eletrobrás: - “2 - Os investimentos devem ser selecionados com base em critérios unificados de atratividade para o acionista da Eletrobrás” (grifo nosso). - “3 - A alocação de capital e a estrutura do funding nas empresas do Sistema devem ser feitas de acordo com o planejamento financeiro global, voltado para a geração de valor para o acionista” (grifo nosso).
Como se vê, o objetivo explícito da nova Eletrobrás seria apenas o de criar lucro para o acionista.
A filosofia de atuação adotada em nenhum ponto coloca a empresa como um agente governamental que teria a obrigação de priorizar o interesse público e de agir como indutor de desenvolvimento.
Ao contrário, procura somente consagrar o interesse pela obtenção do máximo lucro, como é característica da lógica da empresa privada capitalista.
E assim, a proposta da nova Eletrobrás não leva em conta a diferença fundamental entre empresa estatal e empresa privada.
Diferentemente da empresa privada, a empresa estatal não deve existir simplesmente para ganhar dinheiro para os acionistas.
Ela deve ganhar dinheiro para que possa subsistir, pois num regime de economia capitalista como é o nosso a única coisa que justifica a existência de uma empresa estatal é a prestação do serviço que dela espera a sociedade, nas condições que são do interesse e da conveniência da sociedade.
E isto ocorre com propriedade nos serviços de natureza pública, como é o caso da energia elétrica onde, para cumprir a sua missão, a empresa estatal precisa ter ganhos para sobreviver como empresa, mas estes ganhos não precisam ser os maiores possíveis, basta que sejam suficientes para a boa prestação do serviço com a justa e necessária modicidade tarifária.
Em última análise, a atual proposta de reestruturação da Eletrobrás não atende aos interesses do Povo Brasileiro, pois está atrelada a uma filosofia neoliberal de capitalismo selvagem e, além disso, se apóia no enfraquecimento real das suas subsidiárias regionais em benefício de uma indesejável centralização de poder que atenta contra os princípios da Federação Brasileira.
Particularmente, o Nordeste precisa da CHESF e a continuidade da sua maior empresa é emblemática para a Região.
Até hoje o povo nordestino ressente-se pela extinção da SUDENE, ocorrida no governo de FHC.
O desmantelamento ou eventual desaparecimento da CHESF não ficaria bem para o governo Lula.
O Brasil precisa de uma Eletrobrás forte, mas isto não pode ser alcançado apenas pelo enfraquecimento das suas subsidiárias regionais.
Há que se buscar o espaço para que a Eletrobrás e as suas controladas, juntas, possam atuar de forma propositiva para o desenvolvimento do setor elétrico brasileiro visando ao atendimento dos mais altos interesses da nação e não apenas para ser “mais uma empresa no mercado em busca de oportunidades de novos negócios”.
O momento é de se apelar para todas as lideranças políticas regionais, independentemente de partidos e da condição de situação ou oposição, para que levem ao Presidente da República a mensagem de que a grande Eletrobrás não pode ser construída sobre os escombros da CHESF e de suas coirmãs.
Calar agora seria renegar a memória de Apolônio Salles, Antonio Alves de Souza, Otávio Marcondes Ferraz, Amaury Alves de Menezes e André Falcão, entre tantos outros que fizeram a CHESF grande para o povo nordestino e brasileiro.
Recife, 15 de março de 2010.
Eng.
José Antonio Feijó de Melo Diretor do ILUMINA -NE