Por Renata Lo Prete e Leonardo Souza, da Folha de S.

Paulo Grandes construtoras do Brasil têm um esquema de reparte de contratos que funciona à margem, e a despeito, dos processos públicos de licitação.

Nem sempre o grupo de empreiteiras que vence a concorrência é o mesmo que executa a obra ou recebe o pagamento.

As empresas negam manipulação dos resultados e a formação de cartéis, mas a Folha leu documentos que descrevem a atuação dos “consórcios paralelos” no território nacional.

Os papéis constam dos inquéritos de quatro operações realizadas pela Polícia Federal para apurar desvios de dinheiro público (Boi Barrica, Castelo de Areia, Caixa Preta e Aquarela) e de investigações da Polícia Civil em vários Estados.

Em geral, os “consórcios paralelos” agem assim: as construtoras firmam entre si um pacto sobre quem de fato vai executar uma obra a ser licitada.

Depois, elas participam separadamente da concorrência, para dar aparência de lisura ao processo.

Escolhida a vencedora, o acerto é feito por fora.

Relatórios da PF chegam a detalhar a partilha, atribuindo o percentual de cada integrante.

Para fechar as tabelas, peritos analisaram o fluxo de caixa das empreiteiras e as ordens de execução dos canteiros de obras -muitas delas assinadas por construtoras que tinham sido derrotadas na licitação.

Segundo as investigações policiais, o esquema operou, por exemplo, na licitação dos metrôs de Salvador, do Rio de Janeiro, de Fortaleza, do Distrito Federal e de Porto Alegre.

O caso de Salvador é o mais emblemático.

A cronologia dos fatos esmiúça o esquema: 1) Documento manuscrito datado de 1º de fevereiro de 1999 menciona uma reunião sobre o metrô soteropolitano da qual teriam participado várias empreiteiras, entre elas OAS, Camargo Corrêa e Norberto Odebrecht.

O papel cita, também, a discussão de um “acordo” em torno da obra; 2) O consórcio Impregilo/ Soares da Costa apresentou a menor proposta de preço (R$ 347 milhões) e ganhou a licitação, realizada em 1999; 3) A comissão especial da concorrência cancelou o resultado, por “razão técnica”, e, em outubro daquele ano, declarou vitoriosa a associação Camargo Corrêa/Andrade Gutierrez; 4) Ainda em outubro, a Impregilo/Soares da Costa entrou com mandado de segurança para reverter a decisão; 5) Em fevereiro de 2002, a Impregilo/Soares da Costa desistiu da ação na Justiça; 6) Em 2009, policiais acharam minuta de termo de acordo, pela qual a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez prometiam recompensar a Impregilo em troca do recuo na Justiça.

O valor: 1,5% do contrato do metrô.

Por isso, o Ministério Público denunciou as três empreiteiras por cartelização. 7) Perícia feita pela PF no controle de receitas e despesas e nos saldos de caixa das empreiteiras concluiu, além disso, que a Camargo Corrêa e a Andrade Gutierrez não tocam sozinhas a construção do metrô.

Integram o “consórcio paralelo” justamente as construtoras citadas no papel de 1999 que aludia ao “acordo”.

Segundo a polícia, a Norberto Odebrecht e a OAS ficaram, cada uma, com 16,7% dos contratos -e cuidam até da gerência da obra.

Constran (16,7%) e Queiroz Galvão (5,2%) também teriam sido contempladas.

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