Por Luiz Helvécio, na página de opinião do JC de hoje Sob os já conhecidos argumentos de implantação de investimentos, criação de empregos e de incremento da receita para as obras assistenciais da Santa Casa de Misericórdia, o arcebispo Dom Fernando Saburido anunciou contrato firmado com a Realesis Pampulha Empreendimentos Imobiliários, para a construção de um centro de compras, no local onde desde 1883 funciona o Hospital da Tamarineira.

A construção do parque ecológico e dos dois museus, também anunciada, serviria, como se diz popularmente, para dourar a pílula.

O anúncio, se confirmado, dará término a uma luta iniciada há mais de 20 anos, durante os quais interventores da Santa Casa defenderam posição não aceita por segmentos expressivos da sociedade, interessados na preservação do Hospital da Tamarineira e de sua área verde.

A história do Hospital da Tamarineira remonta ao ano de 1883, quando toda a área do Sítio da Tamarineira foi adquirida com dinheiro do Tesouro da então Província de Pernambuco e doações maciças do povo, com a finalidade de construir o Hospício de Alienados. É importante destacar que, desde sua inauguração, o hospital vem sendo mantido com dinheiro público, inclusive para a contratação de seus funcionários.

A Santa Casa administrou o hospital de 1883 a 1924, ocasião em que o governo de Pernambuco tomou a decisão política de assumir a administração em função dos inúmeros desmandos praticados pela Santa Casa.

Apesar dos fatos acima relatados, a Santa Casa de Misericórdia se considera a legítima proprietária do local.

Em 1991 uma importante decisão, tomada com o voto unânime dos membros do Conselho Estadual de Cultura, viabilizou o Tombamento do Hospital Ulisses Pernambucano, em resposta à primeira tentativa de venda da área para a construção de um centro comercial.

O dito tombamento permitiria tamanha agressão?

Em 2001 foi a vez da imensa área verde do hospital ser preservada por lei municipal, sancionada pelo então prefeito João Paulo, e atendendo a projeto de minha iniciativa, quando vereador do Recife.

Vale salientar que o mundo vive um dos seus maiores desafios, o do aquecimento global, e que a nossa cidade, segundo previsão dos especialistas, está na relação das que mais deverão sofrer as conseqüências da elevação do nível do mar.

Qual a contribuição que estamos dando para a amenização do problema?

O índice de arborização da cidade ainda é inferior ao mínimo recomendado por entidades científicas; quintais continuam sendo destruídos e substituídos pelo concreto; a frota de veículos automotores não para de crescer.

E a questão da mobilidade, outro grave problema a ameaçar o futuro do Recife?

Quer a entrada do empreendimento seja voltada para a Avenida Rosa e Silva, quer para a Avenida Cônego Barata, todos sabemos que uma grande área no entorno será, de qualquer forma, afetada pela demanda de trânsito que será gerada pelo empreendimento.

Se houvesse real interesse das autoridades em procurar solução para o gravíssimo problema da falta crescente de mobilidade, um empreendimento com tais características, hoje, somente seria licenciado para área fora do perímetro urbano.

A população recebeu de braços abertos dom Fernando Saburido, principalmente pelas suas inegáveis e importantes qualidades.

Nos dá uma tristeza o episódio, porque não queríamos que fosse, exatamente ele, o responsável maior pela decisão.

Não poderia, pelo menos, ser desta forma.

Era importante que, antes, tivesse vindo a público o resultado do inquérito administrativo sobre a administração dos bens da Santa Casa, durante o período da intervenção.

Até que ponto o mal que se comete agora, o da locação da área, não é resultado de negócios irregulares envolvendo outras transações realizadas pela interventoria, que tiveram a anuência formal da Cúria Metropolitana, na época?

E se assim tiver sido, quem deve pagar a conta são, principalmente, as gerações futuras?

Vamos, portanto, nos mobilizar e tentar conseguir do nosso dom Fernando um melhor destino para a área, numa nova decisão que seria mais consentânea com o lema da Campanha da Fraternidade deste ano, Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro.

Luiz Helvécio é membro da ONG Terra Viva e Movimento Amigos da Tamarineira