Por Geneton Moraes Neto, no seu blog no G1 A TV é imbatível na arte de produzir lembranças marcantes.

Uma imagem aparentemente banal pode ficar anos gravada nas nossos retinas fatigadas.

Um exemplo: a alegria sinceríssima de uma ex-catadora de lixo chamada Maria Luiza ao receber a notícia de que o filho tinha sido aprovado no vestibular de Biomedicina da Universidade Federal de Pernambuco.

Detalhe: criado com as dificuldades imagináveis, o filho tinha tirado o primeiro lugar entre os alunos de escolas públicas aprovados no vestibular.

A imagem da vibração da mãe tinha sido captada quase que casualmente pelo cinegrafista Marconi Pryston, durante a gravação de uma reportagem sobre o vestibular para o telejornal local da TV Globo Recife.

A alegria da mãe ganhou repercussão nacional ao ser exibida no Fantástico, numa série conduzida por Zeca Camargo.

Era comovente.

O tema da reportagem era a felicidade.

Em seguida, o exemplo do estudante ganhou espaço no Globo Repórter.

O filho de D.

Maria Luiza iria se formar este ano.

Mas foi assassinado a tiros, na porta de casa, no bairro da Torre, no Recife.

Os dois assassinos procuravam por outro homem.

Não o encontraram.

Abordaram Alcides – que morava numa casa vizinha -, em busca de notícias.

Como Alcides disse que não sabia onde estava o “alvo”, foi morto com dois tiros na cabeça, à queima-roupa.

Execução sumária.

Não há outra palavra para definir os autores do crime: são animais.

Ponto.

Faltará alguém na festa de formatura da turma de biomedicina da Universdiade Federal de Pernambuco.

A ex-catadora de lixo disse às tvs: “Minha vida acabou”.

O Brasil tem uma dúvida enorme, indescritível, imensurável com Alcides do Nascimento Lins e com esta mulher.

A dívida com Alcides jamais poderá ser paga.

Uma vida foi desperdiçada em troca de quê ?

De nada.

Há qualquer coisa de terrivelmente errado num país que premia com dois balaços o filho de uma ex-catadora de lixo que, a despeito de tudo, chega à universidade na condição de primeiro lugar entre alunos de escola pública.

Tinha vinte e dois anos de idade.

Vinte e dois!

Neste momento, só há um sentimento possível : a enorme, a indescritível, a imensurável, a monstruosa vergonha de ser brasileiro.