Por igor Maciel, da TV Jornal Ontem foi enterrado, em uma cova simples no cemitério de Santo Amaro, o símbolo de que alguma coisa está errada no combate à violência.

Alcides do Nascimento Lins, de 22 anos, era estudante de biomedicina na Universidade Federal de Pernambuco.

O rapaz, por sinal, nasceu para simbolizar.

Primeiro veio ao mundo como símbolo de pobreza.

Filho de uma catadora de lixo, no Recife, em uma família numerosa e sem a presença do pai.

Infância pobre, com limitações sérias, inclusive à mesa, por falta de alimento.

Sempre incentivado pela mãe, tornou-se símbolo de superação.

Estudou durante toda a vida no ensino público.

Superava a falta de estrutura e de professores com empenho e força, sem nunca ter deixado de trabalhar para ajudar a família.

Superação que lhe deu fama.

Em 2006, passou em primeiro lugar no vestibular para biomedicina da UFPE.

Era um dos melhores alunos de toda a Universidade.

Além de estudar, trabalhava em dois estágios e já sustentava a família com o dinheiro que juntava.

Com muito esforço conseguiu ajudar uma irmã a estudar e na semana passada comemorava a aprovação dela, também, no vestibular da Federal.

Mas o destino de Alcides era ser símbolo.

E depois de simbolizar a superação para a falta de estrutura do ensino público e para a pobreza, faltava ao jovem simbolizar a condição refém dos brasileiros diante da violência.

Só que para ser um símbolo da violência é preciso ser vencido e não vencê-la.

Era preciso levar dois tiros na cabeça, por engano.

Não que o revólver tenha disparado sozinho, não foi por acidente.

As balas apenas tinham outro endereço.

Talvez ele já tivesse tudo planejado e nem sabia.

Assim como um atleta que não sabe a hora de parar, como um ator que não sabe quando deixar o palco.

Alcides não sabia deixar de ser símbolo.

Torço para que os criminosos não sejam presos. É isso mesmo, parece loucura, mas é a minha torcida.

Porque, se eles forem presos, o Governo vai colocá-los em uma plataforma, apresentá-los à população sedenta por vingança e dar o caso por encerrado.

A imprensa se satisfaz e amanhã voltamos a falar em carnaval novamente.

O esforço de Alcides terá sido em vão.

E os criminosos serão presos de qualquer forma, podem apostar, sejam eles os verdadeiros ou não.

Estamos àsvésperas do carnaval, tudo que não se quer é manchar o brilho e a segurança da festa.

Depois que o caso for resolvido, Alcides deixa de ser símbolo e se transforma em mais um número.

Um número, igual aos 18% usados para indicar que estamos vencendo a luta contra a violência.

Um número a mais ou a menos.

Números pouco importam para a mãe de Alcides, catadora de lixo.

Ela nem sabe ler ou escrever.