Por Raul Jungmann Estive reunido com o presidente Hugo Chávez no palácio presidencial de Miraflores por três horas e meia em 2000, a seu pedido, para falar sobre a reforma agrária no Brasil, quando era ministro do governo Fernando Henrique.

Voltei a estar com Chávez tempos depois, na inauguração do linhão de Guri, que levou energia a Boa Vista, em Roraima.

Me recordo que ele estava ao lado de Fidel Castro, então completando 75 anos naquele dia.

Recentemente, em novembro de 2009, retornei à Venezuela, aonde me reuni com ministros, parlamentares, jornalistas e acadêmicos.

Na ocasião, coordenava uma missão externa da Câmara dos Deputados, que também visitou o Equador e a Colômbia, quando estivemos com os presidentes Rafael Correa e Álvaro Uribe.

O objetivo da missão era tratar do uso de bases militares colombianas pelos EUA, tema que deflagrou uma crise regional que envolveu o Brasil. À época que o encontrei pela primeira vez, Chávez ainda não tinha sido salvo pelo governo FHC quando, em dezembro de 2002, enviamos um navio de combustível que furou o bloqueio dos grevistas da PDVSA, a petroleira venezuelana, que o ameaçava com um colapso dos transportes.

Depois desse episódio, a oposição desfechou um golpe, como ele mesmo tentara em 1992, fechou o Congresso venezuelano e o mandou preso para uma ilha oceânica.

De lá, ele saiu dias depois e quebrou a espinha dorsal dos grevistas e oposição.

Esta, num gesto suicida, boicotou as eleições gerais de 2004, abrindo espaço para o predomínio total do presidente Chávez.

O qual, paulatinamente, foi ocupando todas as instâncias e poderes estatais e reformou, ao seu talante, a Constituição.

Em 2010, a oposição, refeita, deve marchar unida nas eleições legislativas que se aproximam e, ao que tudo indica, terá de 40 a 45% dos votos - talvez até mais.

Se isso acontecer, o coronel Hugo Chávez voltará a dividir o estado venezuelano com os que se lhe opõem, perderá o poder de veto que ostenta livremente e o apoio de um Congresso totalmente dócil aos seus mandos e desmandos.

Será o fim do seu poder unipessoal e o retorno de uma alteridade, da existência de um outro, a oposição, essencial para o jogo democrático.

Esse provável retorno ocorre num quadro crítico para Chávez.

A Venezuela teve, em 2009, uma das maiores quedas de PIB das Américas..

O preço do petróleo, do qual o país depende em 80%, caiu a menos da metade com a crise mundial.

Além de faltar água, alimentos e energia, que virtualmente entrou em colapso após a atropelada estatização do setor em 2006.

De quebra, a inflação, já em alta, deve disparar com a maxidesvalorização recente.

E aparentemente, a renúncia do vice-presidente, Ramón Carrizales, um “falcão chavista”, e de sua mulher, ministra do meio ambiente, estaria a indicar que divergências crescentes se dão no núcleo duro do governo.

Este o cenário por trás das últimas medidas do presidente Hugo Chávez, ao fechar seis emissoras de TV, o que levou a confrontos de rua e à morte de estudantes.

Pois, do ponto de vista do governo, tornou-se cada vez mais necessário tolher e cercear as oposições, cuja crítica e discurso mais e mais encontram eco na opinião pública venezuelana.

Conseguirá ele conviver com uma oposição em ascensão e reocupando espaços de poder?

Ou irá transpor a fronteira que o separa, e ao seu governo, de uma ditadura?