CHILENOS NÃO ACEITAM MAIS SER SEQÜESTRADOS PELO DIA DA MARMOTA Do blog de Reinaldo Azevedo No mundo inteiro, mas muito especialmente na América Latina, as esquerdas tentam manter a população na jaula do Dia da Marmota.
Trata-se de uma espécie de seqüestro moral: “Cuidado!
Fulano ou Beltrano foram ligados à ditadura militar.
Jamais vote nele!” Ou ainda: “Fulano e Beltrano são descendentes pólíticos da ditadura militar”.
O Chile, ontem, deu um “basta!” nessa estratégia vigarista.
O eleitor se liberta do passado; ele deixa de ser uma vítima tradição dos mortos oprimindo o cérebro dos vivos, para citar o barbudo com furúnculos no traseiro — e na alma — de que “eles” gostam tanto.
Sebastián Piñera, candidato da Coalizão pela Mudança, venceu Eduardo Frei, da Concertação.
E venceu também uma abordagem política que tentou degradar a inteligência e a democracia, com ecos de cobertura da imprensa que chegaram ao Brasil: “A direita está tentando voltar ao poder!”.
Li, por exemplo, o Estadão de hoje, aquele jornal que continua a nos premiar com editoriais exemplares quase sempre.
Em nenhum momento se diz o nome da coalizão de Piñera. É tratado apenas como o candidato “da direita”.
E seu nome continua atrelado à suposta herança da ditadura de Pinochet.
Ocorre que, sob certo ponto de vista, herdeiros de Pinochet, lamento pelos finórios, são todos os políticos chilenos.
A maior caudatária do regime militar naquele país é a economia.
Ou alguém aí conseguiria sustentar que foi a democracia que deu estabilidade econômica ao país?
Seria uma mentira grotesca.
E isso nada tem a ver com endossar brutalidades.
Já encomendei a alma de Pinochet ao diabo mais de uma vez.
Que arda no fogo do inferno.
Mas não foi a “coalizão de centro-esquerda”, no poder há 20 anos, que inventou o Chile moderno e sua economia virtuosa.
Os governos que se sucederam à ditadura tiveram a grande sabedoria de não mudar o que estava dando certo.
A rigor, fizeram precocemente o que Lula viria a fazer no Brasil mais tarde.
Com a brutal diferença de que o petista deu continuidade ao governo democrático de FHC.
Este, sim, foi obrigado a romper com o passado — o passado de inflação, de gastança desenfreada de dinheiro público, de irresponsabilidade fiscal. À diferença da Argentina — onde a ditadura militar foi derrubada (já falo um pouco mais a respeito) —, o Chile, como o Brasil, fez uma transição pacífica do regime ditatorial para o democrático e não se desconstituiu.
O primeiro governo civil pegou um país com uma economia organizada.
Atenção! É fato, não juízo de valor.
Já os militares da Argentina destruíram a economia, e gangues foram se sucedendo no poder.
Foram dois regimes brutais, mas, mesmo nesse aspecto, desiguais.
A ditadura argentina matou 30 mil pessoas; a chilena, 3 mil; a brasileira (números da esquerda), 424.
O Chile (16,5 milhões de habitantes hoje) tem bem menos da metade da população argentina (40 milhões), que tem um quinto da população brasileira.
Caso se faça a conta dos mortos por 100 mil, tem-se noção da brutalidade de cada regime.
E se desfaz o mito de que todas as ditaduras latino-americanas foram iguais. “Qual seria o número razoável de mortos?” Nas mãos do estado, depois de as pessoas rendidas, a resposta é esta: ZERO!
Adiante.
O repúdio à ditadura de Pinochet no Chile sempre foi grande, mas, de longe, não reproduzia o justificado asco que os argentinos tinham de seus militares.
O que o “antigo regime” chileno não teve, e a Concertação se beneficiou disso, foram políticos de expressão para se opor aos candidatos de centro-esquerda.
Até porque essa Concertação foi formada com os conservadores da Democracia Cristã.
Em suma: quase não sobrou conservador com expressão eleitoral fora dessa coalizão.
Essa configuração ajudou a consolidar uma farsa eleitoral: ou se estava com a Concertação ou se estava com Pinochet, com o passado, com as mortes arbitrárias… E não surgia um nome com força para romper esta doxa fundada numa falsa polarização.
A eleição de Piñera significa que os chilenos abriram a jaula e não aceitam mais ser seqüestrados pelo passado.
Ainda que o governo Bachelet tenha o apoio da esmagadora maioria da população, as urnas indicaram um desejo de mudança.
E foi inútil tentar recuperar o passado mais distante.
Para um bom número de eleitores, a Concertação também já tem passado.
Não!
Não vou fazer o paralelo fácil: “Bachelet, com 80% de popularidade, não fez o sucessor; Lula, então, também não vai conseguir…” Não existem paralelos perfeitos em política.
As circunstâncias nos ajudam a pensar.
O Chile deixa claro que um governo muito popular — 80% de aprovação — não faz necessariamente seu sucessor.
Evidencia também que a satanização do passado, por mais virtuoso que seja o presente, não é receita infalível de sucesso.
E é preciso levar em conta as diferenças entre as circunstâncias de lá e de cá.
Michelet não é Lula.
Embora aprovadíssima pelos chilenos, não é uma figura que abusa do carisma; mesmo fazendo o jogo “passado x presente”, ela atuou nos estritos limites da lei eleitoral, coisa que o petista ignora.
Eduardo Frei, o governista derrotado, não é Dilma.
Já foi presidente da República e é homem de experiência comprovada — ao contrário da petista.
Na outra ponta, Piñera não é José Serra.
Ao contrário do outro, o candidato das oposições no Brasil é muito conhecido COMO POLÍTICO — não representa uma aposta ousada.
No Chile, tentaram ligar o agora vitorioso ao passado ditadorial.
Não funcionou.
Aqui, os petistas tentam fazer de Serra A continuidade de FHC — governo cuja reputação eles enlamearam com toda sorte de mentiras e trapaças.
Vai colar?
Essas diferenças contam a favor ou contra os candidatos brasileiros?
Vamos ver.
Uma coisa é certa: os chilenos disseram “não” ao maniqueísmo tentado pela máquina oficial. É como se tivessem dito a Bachelet: “Aprovamos o seu governo, mas chegou a hora de mudar”.
Aquela falsa dicotomia está morta.
O futuro de Piñera — e da “direita” (como gosta de escrever a imprensa brasileira) depende agora de ele fazer ou não um governo competente.
Assim é nas democracias.
O resto é seqüestro da inteligência.