Por Maílson da Nóbrega, na Veja desta semana Nunca antes na história deste país um partido se vangloriou tanto de feitos que não realizou. É o caso do PT.
No seu último programa no rádio e na TV, o partido reivindicou o papel de marco zero.
Até a estabilização da economia teria sido obra sua.
Os petistas se jactam de ter mudado o país.
Para um de seus senadores, 2009 foi “a segunda descoberta do Brasil”.
No mundo, três transformações radicais sobressaem: (1) a Revolução Gloriosa (1688), que extinguiu o absolutismo inglês e levaria a Inglaterra à Revolução Industrial; (2) a Revolução Americana (1776), da qual surgiria a maior potência no século XIX; e (3) a Revolução Francesa (1789), a profunda mudança que substituiria os privilégios da nobreza, do clero e dos senhores feudais pelos direitos inalienáveis dos cidadãos.
Nada desse porte aconteceu no Brasil, nem agora nem antes.
A independência foi declarada por dom Pedro, representante da metrópole.
A República nasceu de um golpe de estado dado por Deodoro da Fonseca.
A Revolução de 1930, a única que talvez possa ter esse título, promoveu mudanças, mas não daquela magnitude.
Aqui não se viram rupturas nem violências.
O regime militar findou sob negociação.
O PT pretendia mudar o Brasil, mas para pior.
O título de seu programa para as eleições de 2002 era “a ruptura necessária”.
Prometia “uma ruptura com o atual modelo econômico, fundado na abertura e na desregulação radicais da economia nacional e na consequente subordinação de sua dinâmica aos interesses e humores do capital financeiro globalizado”.
Soa ridículo hoje, não?
As propostas continham inúmeros disparates: controles na entrada de capitais estrangeiros, mudanças na captação de recursos externos pelos bancos e a denúncia do acordo com o FMI, entre outros.
Uma reforma tributária taxaria as grandes fortunas.
O pagamento dos juros da dívida pública seria reduzido de forma voluntarista.
A Carta ao Povo Brasileiro (22 de junho de 2002) foi o começo do fim dessas ideias.
Nela, Lula ainda defendia “um projeto nacional alternativo”, mas falava em “respeito aos contratos e obrigações do país”.
O superávit primário seria preservado “para impedir que a dívida interna aumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos”.
As visões econômicas do PT morreram de vez com Lula na Presidência.
Um banqueiro foi presidir o Banco Central.
No primeiro mês, elevaram-se a taxa de juros e a meta de superávit primário.
Tudo o que o PT tachava de neoliberal.
Na política, a coalizão de governo incluiu partidos políticos e figuras conhecidas que o PT abominava.
A política econômica foi mantida.
Com a preservação da plataforma construída por seus antecessores, Lula conseguiu alçar o Brasil a novas alturas.
O amadurecimento das mudanças anteriores ampliou o potencial de crescimento da economia, que foi adicionalmente impulsionada pelos ventos favoráveis da economia mundial entre 2003 e 2008.
Tornou-se possível manter e ampliar os programas sociais herdados.
Muito se deve à intuição política do presidente e ao trabalho de seu primeiro ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
Lula percebeu que a preservação de sua popularidade dependia do controle da inflação e por isso reforçou a autonomia do Banco Central.
Ele cresceu aos olhos do mundo em razão de sua simpatia, de seu carisma e por ser um líder de esquerda moderado, defensor da democracia e da economia de mercado.
Lula e o PT conseguiram, mediante a desconstrução sistemática das realizações de outros governos, convencer a maioria de que o Brasil teria começado em 2003.
Nunca antes. É um grande tento, que requereu doses elevadas de desfaçatez.
Recentemente, na falta de energia no Sul e Sudeste, a preocupação não foi explicar, mas mostrar que o apagão de Lula era melhor que o de FHC.
A manutenção da política econômica foi uma decisão corajosa.
Respondeu a um novo ambiente, caracterizado pela intolerância da sociedade à inflação, pela imprensa livre, pela nascente valorização da democracia e pela disciplina do mercado.
Lula curvou-se às imposições dessa nova realidade.
Ainda bem.
O Brasil mudou o PT, que agora é, em todos os sentidos, um partido como os outros.