Um tribunal (TCE) impotente Editorial do JC de hoje É de profunda frustração o sentimento que percorre todos os segmentos da sociedade civil pernambucana quando se depara com uma escandalosa decisão como a que foi adotada pelo Tribunal de Contas do Estado, arquivando os processos contra um grupo de vereadores do Recife que, comprovadamente, prestou contas com notas frias e adulteradas.

Uma palavra – impunidade – se sobrepõe a tudo mais, alimentando a trágica ideia de que o crime compensa.

Em entrevista a este jornal, o presidente do TCE, conselheiro Severino Otávio, lamenta a impotência da instituição e cobra modificação na atual legislação, permitindo que o órgão execute decisões a partir de irregularidades que apura.

A suposição é de que com mais poderes nas mãos o Tribunal de Contas inibiria os saques do dinheiro público, razão da existência desse órgão, que é, precisamente, a auditoria e o controle dos recursos públicos, teoricamente uma destinação irretocável.

Entretanto, o nascimento e formação dessa instituição tem, entre nós, vícios de origem que talvez nos levem a compreender melhor sua fragilidade.

Compreender, sem aceitá-las, naturalmente.

A discussão para a criação de um Tribunal de Contas no Império levou quase um século e somente com a República viria a ganhar forma, mas o que aconteceu logo no nascedouro mostra a deformação institucional que lhe deu vida: após a sua instalação, o Tribunal de Contas da União considerou ilegal a nomeação de um parente do ex-presidente Deodoro da Fonseca e o presidente Floriano Peixoto, que havia feito a nomeação, retirou do TCU a competência para impugnar despesas consideradas ilegais.

O então ministro da Fazenda, Serzedello Correa, mandou uma carta ao presidente pedindo exoneração, mostrando que estavam sendo tiradas daquele Tribunal a independência e autonomia, que iriam permitir “ao governo a prática de todos os abusos e vós o sabeis, é preciso antes de tudo legislar para o futuro’.

O balanço que temos, mais de um século depois, é melancólico.

A Constituição de 1988 até que buscou ampliar o campo de ação dos Tribunais de Contas, mas o problema, parece-nos, consiste fundamentalmente em que o nome Tribunal leva a sociedade ao equívoco de acreditar que esse colegiado tem poder jurisdicional.

De sentenciar e fazer valer, coercitivamente, a sua decisão, mas não é assim.

O Judiciário está descrito na Constituição e lá não consta como parte desse Poder o Tribunal de Contas da União, muito menos os Tribunais de Contas dos Estados.

Estes são órgãos auxiliares do Poder Legislativo, com atribuições administrativas de controle externo, para fiscalizar o correto uso do dinheiro público, como foi no caso dos vereadores do Recife e que não deu em nada.

Os que ainda não entenderam as limitações do Tribunal de Contas acham que a decisão sobre os vereadores do Recife que usaram métodos fraudulentos para gastar o dinheiro público é o resultado natural da cultura da impunidade e isso é muito ruim para as instituições.

Falta-nos uma fundamentação legal nos moldes das antigas matrizes de nosso ordenamento jurídico, o direito português, onde o Tribunal de Contas tem um enquadramento constitucional bastante claro e amplo, definido “como verdadeiro Tribunal”, cabendo-lhe, entre outros princípios, o da obrigatoriedade e prevalência das decisões.

Entre nós nada parece obrigatório e não há sinais de prevalência das decisões dos nossos Tribunais de Contas, que mais parecem adereços administrativos para fazer de contas que o dinheiro e os bens públicos são severamente fiscalizados.

Nossos conselheiros – em Portugal compõem o Tribunal de Contas juízes concursados – bem que se esforçam, como ficou visto na entrevista do presidente Severino Otávio.

O problema é que falta poder para fazer valer as decisões e aí muitos governantes praticam o que o sentimento popular resume na frase: deitam e rolam.