Por José Maria Nóbrega Jr. - historiador e cientista político www.josemarianobrega.blogspot.com No dia 22 de dezembro de 2009, foi editado o decreto presidencial que permite a revogação da Lei de Anistia e cria a Comissão Nacional da Verdade que tem o intuito de investigar crimes do período autoritário.
Resultado: O ministro Jobim e os comandantes das três forças ameaçaram renunciar aos seus cargos, caso o presidente não revisse o decreto.
Isso ressalta a frágil relação civil-militar no Brasil, mesmo depois de mais de vinte anos de redemocratização.
Com isso, alguns questionamentos e/ou hipóteses podem ser construídas: 1.
Há prerrogativas militares mesmo em democracia no Brasil contemporâneo; 2.
O Ministério da Defesa é uma instituição de fachada? 3.
O ministro da defesa é um mero despachante das Forças Armadas; 4.
Mesmo com alternância no poder em toda a história da Nova República, o controle efetivo dos civis eleitos pelo povo sob os militares ainda não se consolidou.
Alfred Stepan**, um dos maiores especialistas do mundo em relações políticas entre civis e militares, desenvolveu um esquema analítico, primeiro definindo o que são as prerrogativas militares e em seguida desenvolvendo um método classificatório na tentativa de medir a influência dos militares em qualquer regime político e em qualquer realidade política dos países.
Prerrogativas Militares: “Referem-se a espaços sobre os quais, existindo ou não contestação, os militares, como instituição, pressupõem que adquiriram o direito ou privilégio, formal ou informal, de exercer um controle efetivo.
Neste sentido, se consideram no direito de controlar sua organização interna, de desempenhar um papel nas áreas extra-militares dentro do aparelho de estado, ou mesmo, de estruturar as relações entre o Estado e a sociedade política ou civil” (Stepan, 1988: PP. 524-25).
Dentro dessa perspectiva, as prerrogativas militares estariam enquadradas num modelo classificatório tricotômico onde elas seriam classificadas em a. de baixa intensidade; b. de moderada intensidade e c. de alta intensidade.
Por exemplo, há alta intensidade quando “a constituição encarrega os militares da responsabilidade principal pela lei e pela ordem interna, outorgando-lhes, implicitamente, uma grande margem de decisão que lhes permite determinar quando e como devem cumprir com suas obrigações” (idem: 525).
Ora, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 142, dá tal prerrogativa às Forças Armadas do Brasil como garantes da lei e da ordem interna, mesmo sendo conhecida como a Constituição Cidadã.
Uma prerrogativa que remonta ao aparato constitucional do regime de exceção.
Ministro da Defesa: Uma rainha da Inglaterra?
Não há independência dos atores políticos que assumem a pasta da defesa.
Todos que pseudo-comandaram o MD, tiveram seu “poder” diminuído, se é que tiveram algum, pelas demandas dos interesses castrenses.
Praticamente os três comandantes das FFAA agem como ministro de fato.
A coordenação da defesa brasileira passa primeiro pelos “subordinados” ao ministro.
Por exemplo, a compra das aeronaves recentemente colocada pela mídia, teve total desmando por parte dos comandantes das forças.
Estes desautorizaram o próprio Presidente Lula (que pretende adquirir os jatos franceses e os militares preferem os suecos).
Os pontos de discórdia referente ao decreto lei presidencial fizeram com que Lula revisse sua posição e a questão da Anistia fosse tratada como caso histórico finalizado.
Rever as atrocidades do regime de exceção cria uma forte indisposição entre as relações civil-militares no Brasil, para dizer o mínimo.
Analisar as relações civil-militares no Brasil é de extrema importância.
Enquanto muitos pensam estar encerrado qualquer tipo de demanda política por parte dos militares, fatos como este, encabeçado pelo decreto que leva os comandos das Forças Armadas e o pseudo-ministro da Defesa - cargo que deveria ser de total confiança do Presidente da República - a ameaçar pedir demissão, demonstram a relevância que tais relações ainda pondera nas Ciências Sociais. * É autor de Semidemocracia brasileira: as instituições coercitivas e práticas sociais.
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Recife (2009). ** STEPAN, Alfred (1988), “As prerrogativas militares nos regimes pós-autoritários: Brasil, Argentina, Uruguai e Espanha” in Democratizando o Brasil.
Paz e Terra.
Rio de Janeiro.