Integração em risco Por Marco Maciel A aceitação da Venezuela pelo Brasil como membro pleno do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL não encerra e nem consuma sua integração ao processo de união instituído pelo Tratado de Assunção, que data de 1990, enquanto, no mesmo sentido, não se pronunciar o Paraguai. É bom lembrar, por oportuno, que o Paraguai também ainda não aprovou a adesão da Venezuela ao MERCOSUL.

As restrições levantadas até esta data não são nem de natureza econômica, nem de ordem ideológica.

Constituem, a meu ver, em última análise, um problema de princípios que tem relação com a vigência plena de uma democracia sem restrições nem condicionamentos.

Os doutrinadores da teoria política e do direito, inclusive do Direito Constitucional, entendem que, para que haja democracia, eleições são necessárias, mas não bastam.

Para que sejam consideradas o fundamento de um Estado de direito democrático, as eleições devem cumprir pelo menos quatro requisitos: serem periódicas, isto é, que correspondam a mandatos pré-fixados; serem livres, o que implica em não serem manipuladas; serem competitivas, ou seja, que todos que atenderem aos requisitos legais previamente estabelecidos possam ser candidatos; e que haja garantia de que o voto seja secreto e pública a apuração.

Nas atuais condições, o primeiro desses requisitos não é observado na República da Venezuela, pois que o titular do Executivo pode ser reeleito indefinidamente.

O nosso vizinho é um Estado de direito, mas não é, na sua plenitude, um Estado democrático de direito.

O gesto do Brasil não poderá ser confundido como chancela à perpetuação no poder de seus presidentes.

E, para tanto, se faz necessária uma clara manifestação de que a primeira das condições para a sadia convivência de tão desejado mercado comum deve ser a fiel observância dos Estados membros ao que dispõem o Tratado de Assunção e a cláusula do Protocolo de Ushuaia sobre o compromisso democrático.

Não se trata, como acentuou o Embaixador Marcos Azambuja, de colocar princípios acima de interesses, mas de conciliar os interesses com os princípios.

Lembrar a cláusula democrática é fundamental.

Porém, para integração plena dos diferentes países ao MERCOSUL, tão ou mais relevante que a plenitude democrática dos Estados membros é a questão dos Direitos Humanos.

E quais são as exigências no que diz respeito aos Direitos Humanos?

A simples enumeração do marco normativo torna explícita a importância dessa questão: I – O Protocolo de Ushuaia, sobre Compromisso Democrático do MERCOSUL; II – O Protocolo de Assunção, sobre o compromisso com a Proteção e Promoção dos Direitos Humanos; III – A ratificação, aprovação e integração ao ordenamento jurídico dos países membros de cada uma das Convenções, Tratados e Protocolos Internacionais que especifica; e IV – As principais normas nacionais e internacionais de Direitos Humanos que integram o ordenamento jurídico de cada país membro. É do conhecimento público que o atual governo da Venezuela normalmente não permite o ingresso em seu território de qualquer autoridade que tenha por objetivo indagar, investigar e pesquisar a situação local dos Direitos Humanos.

Trata-se, assim entendo, de uma situação constrangedora que faz presumir a não observância de um dos fundamentos básicos dos instrumentos constitutivos do mercado comum a que pertencemos e que estamos, com todo o empenho, construindo.

Devemos observar que os países plenamente vinculados ao MERCOSUL têm o direito de veto quanto à adesão de novos parceiros.

O objetivo que temos em vista é que essa prerrogativa não seja exercida senão em casos de substanciais e relevantes razões.

Os contenciosos políticos da Venezuela com alguns de seus vizinhos podem, eventualmente, constituir obstáculos intransponíveis para a expansão do MERCOSUL aos países do norte do Continente.

Temos, também, de convir que a pura e simples negativa em aceitar, sem fundados motivos, a integração ao MERCOSUL dos demais países sul-americanos que venham manifestar esse desejo constituirá, sem dúvida, um ato, se não de hostilidade, pelo menos de falta de solidariedade para com a boa, pacífica e sadia convivência que todos almejamos alcançar, manter e reforçar em nosso Continente.

Manifesto, portanto, minha esperança de que venhamos um dia a ter uma integração não só comercial e econômica de todos os países da América do Sul, mas, sobretudo uma comunidade de interesses políticos fundada na democracia e coerente com nossa vocação de paz e de relações amistosas com todos os países com os quais partilhamos antigos e sólidos laços de amizade.

PS: Marco Maciel é Senador e membro da Academia Brasileira de Letras.