Por Luciano Siqueira A vida não espera a teoria.
Ou, dito de outra forma, há momentos em que velhos problemas ganham novos contornos, mais complexos, e num determinado sentido explosivos, e passam a reclamar soluções inovadoras e ousadas, para além de práticas convencionais e de paradigmas estabelecidos.
A teoria, por seu turno, há que se alimentar de novos experimentos; da sistematização do que é feito e da percepção de novas demandas.
Isto é válido para todas as esferas da vida – inclusive para a gestão pública, que cá entre nós freqüentemente carece da boa combinação dialética entre a teoria e a prática.
Os problemas de natureza estrutural que afligem cidades que compõem aglomerados urbanos – lixo, transporte, sustentabilidade ambiental, segurança, dentre outros – têm, hoje, no Brasil, essa conotação.
E pedem respostas imediatas.
O pano de fundo é a íntima relação entre o padrão de vida nas cidades – as grandes e médias, sobretudo - e a natureza do desenvolvimento do país.
O Brasil tornou-se essencialmente urbano em apenas cinco décadas – dos anos trinta aos anos oitenta - sob o impacto de dois fatores conjugados: a industrialização crescente e a inexistência de uma reforma agrária distributiva.
As atividades industriais, historicamente localizadas nos ambientes urbanos, atraem contingentes sequiosos de oportunidades de trabalho.
A inviabilidade do acesso à terra pelos que nela desejam e necessitam trabalhar, decorrente da persistência do monopólio da propriedade rural, expulsa milhões de brasileiros do seu habitat de origem.
Em 1940 residiam nas cidades apenas 31% dos brasileiros; nos anos 80 nelas já se encontrava mais de 75% da população.
Em 2000, se estimava em 82% a população urbana, segundo os critérios do IBGE.
Essa rápida ocupação do território urbano ocorreu (com raríssimas exceções) de maneira anárquica, à margem de qualquer planejamento, refletindo os traços essenciais do capitalismo de tipo dependente, precocemente monopolizado, concentrador da produção, da renda e da riqueza e socialmente excludente que aqui se desenvolveu.
O crescimento industrial se apoiou em grande medida no baixo valor da mão de obra abundantemente disponível, sem a contrapartida de oferta suficiente de habitação, equipamentos e serviços e condições sanitárias que propiciassem qualidade de vida aos trabalhadores.
Assim, nas duas últimas décadas e meia, mesmo com a redução das taxas de crescimento demográfico e a expansão populacional se deslocando das áreas centrais para as periferias urbanas, a precariedade das condições de vida da imensa maioria dos habitantes das cidades persiste.
A Região Metropolitana do Recife se situa nesse contexto.
Mais de três milhões e meio de habitantes ocupam território prenhe de desigualdades.
Problemas estruturais são comuns ao conjunto dos quatorze municípios que a compõem, porém as tentativas de solucioná-los continuam longe de serem compartilhadas.
Apesar dos esforços coordenados pelo CONDERM (Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana) desde que foi constituído, há mais de trinta anos, continua valendo a opção de cada um que cuide de si – como se constatou no seminário Planejamento Regional e Governança Metropolitana, promovido no Recife, no final do ano passado, pela Agência Condepe-Fidem.
Isto em grande parte reflete a cultura conservadora predominante entre gestores públicos que resistem a uma abordagem dos problemas a partir de uma compreensão efetivamente metropolitana.
O consórcio metropolitano de transportes, que vem sendo construído a duras penas sobre a base da ex-EMTU, pode se converter em exemplo de boa prática.
Mas a coleta, destinação e tratamento do lixo, no outro extremo, por exemplo, ainda carece de solução consorciada.
Mas a vida não pode esperar.
Cabe agora ao governo estadual e às prefeituras, valendo-se inclusive da Lei de Consórcios Públicos promulgada em 2005 e regulamentada por decreto presidencial em 2007, arrostarem tão ingente e inadiável desafio.
PS: Luciano Siqueira (www.lucianosiqueira.com.br ; https://twitter.com/lucianoPCdoB) é vereador do Recife e escreve para o Blog semanalmente.