Editorial do Jornal do Commercio desta segunda Agora que não tem mais como ficar reduzida a objeto de contenda judicial e de questionamento ecológico, a transposição do Rio São Francisco entra em uma etapa de extrema importância para o Nordeste, independente das encenações político-eleitorais que sempre foram a cruz dos nordestinos, documentada desde os primeiros anos de colonização portuguesa, como descrito pelo padre Fernão Cardim.
De tão recorrentes, os relatos das tragédias da seca – “desceram do Sertão apertados pela fome, socorrendo-se aos brancos, quatro ou cinco mil índios”, entre 1580 e 1583 –, já deixaram de ter força literária ou acadêmica.
São partes de uma história que deveria ter sido mudada desde o Império, inclusive com a transposição do São Francisco, trabalho que ficou para um nordestino vítima de tremenda seca, fugitivo da miséria há pouco mais de meio século.
Ao visitar as obras de transposição do rio, o presidente Lula chegou com a mesma desenvoltura com que tem se saído de ocasiões igualmente complexas, que envolvem relações de difícil gerenciamento.
Ele passou ao largo, por exemplo, dos questionamentos postos pelos que se opuseram às obras desde os anos 80, quando o antigo Departamento Nacional de Obras e Saneamento produziu o anteprojeto de engenharia de transposição.
De lá para cá, a soma de questionamentos cresceu, chegou ao ápice com o protesto com greve de fome, para virar o que é hoje, pura matéria de palanque, a que o sertanejo dá pouca atenção, preocupado que está com a chegada da água e perenização de rios capazes de mudar o cenário do Semiárido.
Mesmo ao se transformar apenas em matéria de palanque a questão não deixa de ser complexa, como tendem a ser empreendimentos públicos de grande vulto.
A mistura das obras com datas eleitorais, nomes e partidos políticos termina sendo inevitável.
E de certa forma tende a tornar mais complicado o processo eleitoral que está próximo, pelo uso do que deveria ser apenas uma obra importante para o País e, principalmente, para o Nordeste, deixando no ar uma dúvida que nos preocupa: a forma com que os que questionam as obras poderiam tratá-la uma vez chegando ao poder.
Mudariam o curso, estagnariam, mudariam as prioridades, submeteriam os nordestinos mais uma vez à incerteza diante das adversidades climáticas?
Não são questões impertinentes, principalmente porque poderiam se abrigar por trás de que já foi produzido até hoje contra o processo de transposição.
Fica no ar a dúvida, mas torcemos para que tudo não passe de encenação, como costuma ser o processo político-eleitoral, dependendo do tempo e dos personagens.
Assim, podemos relatar personagens e obras que foram execrados no passado por pertencerem a determinada legenda e que hoje gozam de generosas avaliações porque subiram no mesmo palanque.
O que não pode é misturar os vícios eleitorais com as necessidades fundamentais de milhões de nordestinos, para os quais não cabe mais retórica.
O que permanece como uma curiosidade é a simplicidade com que políticos contrários à obra tendem a questionar o que entendem por uso eleitoral.
Desde que não estejam eles no poder, claro.
Enquanto isso não acontece, melhor será deixar as filigranas de lado e partir para o essencial quando se trata de uma questão vital como é a do nosso Semiárido.
Não cabe mais sugerir que essa ou aquela solução seria melhor para manter o sertanejo em suas terras, produzindo e gerando riquezas como é feito na terra irrigada pelo São Francisco e poderá ser feito nos braços que ele estenderá por leitos de rios que secaram ou terras em processo de desertificação.
O fundamental está posto, as obras estão em andamento e apontam para uma enorme responsabilidade da sociedade civil organizada: fiscalizar, cobrar, exigir, impedir que o jogo político-eleitoral atrapalhe o que poderá ser a redenção para milhões de nordestinos.