Por Sheila Borges/Cidades/JC Não existe déficit no quadro médico da emergência-geral e pediátrica do Hospital da Restauração (HR), área central do Recife, maior unidade pública do Norte e Nordeste.
Muito pelo contrário.
Em um plantão de 12 horas, o quadro médico é de 26 especialistas, que realizam 92,54 atendimentos, o que representa 3,56 pacientes para cada médico.
Esse número está bem abaixo do limite determinado pelo Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), que fixa teto de 36 pacientes por médico em 12 horas de plantão.
O problema é a falta de controle no cumprimento da carga horária dos profissionais da emergência.
A constatação foi feita por médicos auditores do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que mapearam os problemas operacionais do HR.
Apesar da crise na saúde pública do Estado ser assunto recorrente, que tem exposto, independentemente da linha política do governo, problemas do Sistema Único da Saúde (SUS) – como superlotação, falta de equipamento, baixa remuneração e sobrecarga de trabalho dos profissionais –, é a primeira vez que uma auditoria acontece por iniciativa do TCE, com base em denúncias encaminhadas à instituição.
Normalmente, entraves na saúde pública são colocados a partir do olhar de gestores, servidores, órgãos classistas e pacientes.
O relatório preliminar faz parte da auditoria especial TC nº 0807438-0, que tem aproximadamente 100 páginas.
Analisa fatores operacionais que “dificultam” a prestação de serviço com qualidade aos pacientes, tomando como subsídio informações coletadas em documentos, visitas e entrevistas.
A pesquisa envolveu desde maqueiros e seguranças a diretores do HR.
A reportagem do JC teve acesso, com exclusividade, a trechos do relatório.
Em um deles, a equipe do TCE lista os principais problemas: “má distribuição de médicos nos plantões, não utilização dos dados de atendimento como ferramenta gerencial, ausência de classificação de risco, falhas no controle de frequência dos médicos da emergência, aumento dos custos hospitalares devido ao elevado quantitativo de tomografias realizadas em clínicas particulares, ausência de cobrança ao SUS da totalidade de alguns exames e de autorizações de internação, aumento do tempo médio de internação e ausência de escala de serviço oficial dos médicos radiologistas do raio-X e turnos de trabalhos descobertos”.
A auditoria constatou que o tempo de leito desocupado é inexistente, o que corresponde às imagens divulgadas pela imprensa e pelos próprios profissionais de saúde que revelam superlotação do HR com pessoas amontoadas em camas, macas e até no chão da emergência.
Por outro lado, verificou que há ociosidade das salas de cirurgia.
A taxa média de ocupação do centro cirúrgico é de 48,19%, quando o desejável fica entre 80% e 85%.
A triagem dos pacientes não é feita de forma adequada, acontece na base da observação visual dos casos mais graves.
E essa classificação de risco é realizada, muitas vezes, por atendentes de enfermagem e até por seguranças da emergência.
O relatório dos médicos auditores do TCE evidencia a falta de controle no cumprimento da carga horária dos médicos, tais como: listas de frequência diária sem identificar horários de entrada e saída do plantão, profissionais que não assinam listas de frequência, divergências entre as faltas apontadas nas listas de frequência diárias e nos boletins mensais enviados à Secretaria estadual de Saúde e ausência de médicos coordenadores nas escalas de plantão.
Os anestesiologistas merecem destaque no relatório porque, segundo a auditoria, trabalham, em média, 44% da carga horária devida.
Isso ocasionou, só em maio deste ano, a suspensão de 13 cirurgias.
Outra irregularidade apontada neste setor é a dupla remuneração.
Em determinados casos, os médicos efetivos desta especialidade recebem duas vezes para realizar a mesma cirurgia: como servidor público (pela vinculação com o HR) e como prestador de serviço (por uma cooperativa).
FALTA ORGANIZAÇÃO O quadro no serviço de tomografia computadorizada também é delicado.
Há descumprimento do regime de trabalho. “Os médicos são escalados para o serviço como diaristas, entretanto foram contratados e recebem as vantagens como plantonistas”, diz o relatório da auditoria.
Na radiologia, não existe escala dos serviços dos médicos do raio-X. “A desatualização de informações no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, apurada pela inspeção física realizada no setor de radiologia do HR, gera dados inconsistentes.” O cadastro registra a existência de seis tipos de equipamentos de raio-X quando, de fato, só há um aparelho em uso.
A falta de organização na gestão da emergência do Hospital da Restauração e a deficiência de controle interno acarretam o que os auditores chamaram de “renúncia de receita”, ou seja, o HR está deixando de receber verba pública.
Isso porque foi constatada ausência de cobrança ao SUS de exames, como tomografias computadorizadas e ultrassonografia, e de autorizações de internação hospitalar.
Em contrapartida, muitos exames são feitos fora do hospital em clínicas particulares.
Técnicos do TCE descobriram que 3.044 tomografias computadorizadas foram encaminhadas a uma única clínica “em face da insuficiência de tomógrafo adequado ao porte e à demanda do HR”.
O TCE deu prazo de 30 dias para o governo do Estado se posicionar.
Este período expira no próximo dia 25.
O relator do caso é o conselheiro Marcos Loreto, que já foi assessor do governador Eduardo Campos (PSB).
Em seu voto, Loreto poderá recomendar medidas para melhorar o atendimento da emergência do HR e solicitar auditoria especial para aprofundar a investigação.
O julgamento deve ocorrer no início do próximo mês.
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