Sem alarde, o Judiciário local acaba de dar uma recente decisão que condena o Estado de Pernambuco a indenizar a família de Antônio Carlos Escobar, sob a alegação de que houve omissão na segurança pública. “Que este exemplo sirva de estímulo para todas as famílias que são atingidas por esse mal que vivemos cotidianamente.
O precedente está aberto!”, diz Gustavo Escobar, sobrinho do psiquiatra.
Caso Escobar SentençA View more documents from Jamildo Melo.
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Inicialmente, examinemos as preliminares aduzidas pelo estado demandado.
Com efeito, as preliminares em questão não merecem prosperar.
No que tange aos danos materiais, apesar de não especificado o valor das despesas de funeral, não torna a demanda inepta, na medida em que tal verba é tutelada pela legislação substantiva pátria, quando se tratar de fato certo como na presente hipótese, podendo apenas ser discutida a modicidade da verba, inocorrendo justa causa para o indeferimento da inicial.
Destarte, temos por afastada a primeira preliminar.
A segunda preliminar não tem fundamento e se confunde com a terceira, haja vista que não existe qualquer incoerência lógica entre os fatos alegados e o pedido dos autores.
Sem embargo, apesar da existência de Fundação Pública estadual responsável pela guarda de menores infratores, no caso a FUNDAC, nada obsta o ingresso da ação contra o estado de Pernambuco, entidade pública que tem o dever constitucional de garantir a segurança dos seus cidadãos.
Dessa forma, temos por improcedentes a segunda e a terceira preliminares argüidas, pela ausência de fundamento legal.
Agora analisemos o meritum causae.
A primeira questão que se coloca é com relação à interpretação do § 6º do artigo 37 da Constituição da República que dispõe sobre a responsabilidade objetiva do estado.
Essa responsabilidade só existe com relação a atos comissivos, ou também abrange os atos omissivos?
Melhor dizendo, em se comprovando o ato omissivo da falta do serviço, a responsabilidade do estado é objetiva ou subjetiva?
Temos para nós que tal discussão se encontra superada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, que sufragou a tese doutrinária capitaneada pelos publicistas Hely Lopes Meireles e Yusef Said Cahali de que pela dicção constitucional, a responsabilidade estatal por atos comissivo ou omissivo é objetiva, prescindindo de que a atuação do estado ou dos seus agentes se dê com imprudência, negligência ou imperícia que são os elementos subjetivos da culpa.
Superadas as divergências doutrinárias, pela postura assumida pelo STF, consoante anteriormente demonstrado, cumpre-nos perquirir a propósito, na hipótese sub examine, da existência de nexo causal que venha a estabelecer um vinculo jurídico entre o crime que vitimou o médico Antonio Carlos Escobar, e a omissão do estado de Pernambuco, em garantir a segurança dos seus cidadãos, notadamente quando vida humana é ceifada por menor foragido de entidade que tem o dever constitucional e legal de promover a proteção e reintegração social e familiar de menores infratores ou em situação de risco.
Sem dúvidas, é de conhecimento público e notório que o menor responsável pela morte do médico, na ocasião do crime, era fugitivo da FUNDAC, fato este divulgado pelos meios de comunicação escritos e falados de todo o país, em face da repercussão do crime, sem merecer qualquer contestação por parte do estado de Pernambuco.
Sabe-se que o menor em questão foi várias vezes apreendido pelo órgão estatal referido, empreendendo todas as vezes fugas do local da custódia, denotando a omissão do estado de Pernambuco, em cumprir o pacto constitucional que adotou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente.
Com certeza, se na hipótese o estado de Pernambuco tivesse cumprido o seu dever de proteger e assistir ao menor em situação irregular, cumprindo com diligência as diretrizes que emanam do Estatuto da Criança e do Adolescente, o crime não teria ocorrido, e a vida de respeitável cidadão e pai de família não seria ceifada de forma tão banal.
Com efeito, estamos diante de um claro exemplo do que se convencionou denominar de falta de serviço, ou, para a doutrina francesa faute du service, que não dispensa a existência de um nexo de causalidade vinculando a ação omissiva do poder público, no caso o desleixo e a negligência do estado de Pernambuco em permitir que menor que deveria estar sob os seus cuidados e proteção estivesse assaltando em sinais de trânsito de vias públicas bastante movimentadas, e o dano causado a terceiros, no caso os familiares e amigos da vitima que ficaram privados do seu provimento e da sua existência.
Indubitavelmente, a teoria adotada pelo direito brasileiro com relação ao nexo de causalidade é a do dano direto e imediato, devendo se levar em consideração, a depender de circunstâncias especificas como na hipótese sub occulis, o dano indireto ou remoto notadamente quando não haja concausa sucessiva.
Esse entendimento deflui de recente posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 409.203-4 Rio Grande do Sul, em que foi voto vencido o eminente ministro Carlos Velloso, relator do processo, que acompanhava várias precedentes da Corte Máxima de Justiça, entendendo só admissível o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa.
Entrementes, prevaleceu o voto de vista do Ministro Joaquim Barbosa, decisão esta que mereceu a seguinte ementa: “Responsabilidade civil do estado.
Art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Faute du service public caracterizada.
Estupro cometido por presidiário, fugitivo contumaz, não submetido à regressão de regime prisional como manda a lei.
Configuração do nexo de causalidade.
Recurso extraordinário desprovido.
Impõe-se a responsabilização do Estado quando um condenado submetido a regime prisional aberto pratica, em sete ocasiões, falta grave de evasão, sem que as autoridades responsáveis pela execução da pena lhe apliquem a medida de regressão do regime prisional aplicável à espécie.
Tal omissão do Estado, constituiu na espécie, o fator determinante que propiciou ao infrator a oportunidade para praticar o crime de estupro contra menor de 12 anos de idade, justamente no período em que deveria estar recolhido à prisão.Está configurado o nexo de causalidade, uma vez que se a lei de execução penal tivesse sido corretamente aplicada, o condenado dificilmente teria continuado a cumprir a pena nas mesmas condições (regime aberto), e, por conseguinte, não teria tido a oportunidade de evadir-se pela oitava vez e cometer o bárbaro crime de estupro.
Recurso extraordinário desprovido.” Dessa forma, não nos é dificultoso concluir, mutatis mutandis, que o atual posicionamento da Suprema Corte, permite-nos inferir que, na hipótese dos autos, se o estado de Pernambuco, através do órgão competente, tivesse aplicado corretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente, o menor autor da infração estaria internado sob a tutela estatal, e não teria a oportunidade de cometer o ato infracional que ceifou a vida do médico Antonio Carlos Escobar, configurado destarte o nexo de causalidade.
Posto desta forma, caracterizado o nexo causal que obriga o estado de Pernambuco a ressarcir danos advindos da falta de serviço, passemos a examinar especificamente a existência dos alegados danos moral e material, delimitando a responsabilidade do estado demandado, bem como identificando os beneficiários da indenização.
Iniciemos, examinando primeiramente os danos materiais.
Conforme dito anteriormente, as despesas de funeral são devidas quando se trata da existência de fato certo, como comprovado nos autos, cabendo-nos, no momento, discutir o valor da verba.
Entendemos que a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pedida pelos autores é elevada, considerando inexistir nos autos qualquer indicação da existência das despesas.
Em ocasiões como tal deve o magistrado sopesar os gastos levando em consideração as regras da experiência comum observando o que ordinariamente acontece, fixando valor que seja razoável e compatível com a situação econômico–financeira da vitima e dos seus familiares.Desta forma, entendemos razoável que o valor das despesas de funeral seja fixado na quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais).
No que concerne ao pedido de pensão, algumas considerações esboçadas na peça de resistência pelo estado demandado devem ser levadas a termo.
Com efeito, não temos dúvidas em concordar com os argumentos de que com relação aos filhos da vitima Maria Anita, Eduardo Henrique e Jayme Santos, são todos de maior idade e casados, à exceção do último, sendo os documentos acostados aos autos insuficientes para comprovar a alegada dependência material do de cujus.
Contudo, dúvidas não persistem com relação à dependência material da companheira e filha do falecido médico, respectivamente sra.
Maria Tereza Guimarães Lima e Ana Luíza Escobar, esta última na época dos fatos solteira e com idade inferior aos 24 anos, no sentido de que as mesmas fazem jus ao requerido pensionamento.
No tocante à referida filha, a mesma deve perceber a pensão a ser arbitrada por este juízo, a partir da data da morte do pai, até data em que completou a idade de 24 (vinte e quatro) anos, considerando tratar-se de estudante.
Entendemos razoável, que os valores das pensões ora arbitradas, seja correspondente a sete salários mínimos vigentes no país, o que corresponde atualmente à quantia de R$ 3.255,00 (três mil, duzentos e cinqüenta e cinco reais).
Os autores requereram que a duração da pensão fosse até a data em que a vitima completasse setenta e cinco anos de idade.
Entretanto, pesquisa recente procedida pelos órgãos de previdência social do nosso país concluiu que a idade média do brasileiro, para fins previdenciários é de 72,6 (setenta e dois anos de idade e seis meses).
Destarte, a pensão deve ser paga à beneficiária Maria Tereza, do dia do falecimento da vitima, até a data em que esta completaria a idade de setenta e dois anos e seis meses.
Agora examinemos os danos morais.
Indubitavelmente, conforme a digressão anteriormente realizada, não nos é dificultoso inferir que na hipótese ora submissa, o estado de Pernambuco deve ressarcir os autores em razão das seqüelas deixadas entre estes que eram do convívio familiar do médico assassinado, companheira e filhos que de uma hora para outra, em decorrência da má prestação de um serviço público, foram privados do convívio de tão importante figura, devendo os mesmos serem reparados no que tange as suas aflições, angustias e desequilíbrios causados no bem estar da família, elementos estes que devem ser dimensionados proporcionalmente à extensão do dano (gravidade da lesão), o grau de culpa do lesante e a capacidade econômica do mesmo no sentido de que se obtenha uma compensação porquanto comprovada a dor, os vexames e o sofrimento experimentados até o presente momento, indenização esta que não trará a vitima de volta ao nosso mundo, mas que provavelmente compensará os espíritos, no sentido de que se estará realizando a esperada justiça.
Posto isto, julgo procedente, em parte, o pedido dos autores, para condenar o estado de Pernambuco ao pagamento de danos materiais no valor de R$ 7.000,00 (sete mil reais) referente ao luto da família, e pensão em favor da companheira Maria Tereza Guimarães Lima e da filha Ana Luiza Santos de Escobar na quantia mensal de R$ 3.255,00 (três mil duzentos e cinqüenta e cinco reais) que deve corresponder ao valor de sete salários mínimos, cujo termo a quo e ad quem se encontram anteriormente estabelecidos.
Condeno ainda o estado de Pernambuco, a ressarcir os autores em danos morais, em quantia que arbitro no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
As condenações ora fixadas devem ser retroativas à data do evento, incidindo juros de mora e correção monetária.
Condeno o réu e o autor em termos proporcionais e pro rata, uma vez que houve sucumbência recíproca, no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em 10% (dez por cento) do valor integral da indenização devidamente corrigido.
P.R.I.
Recife, 21 de setembro de 2009.
José Viana Ulisses Filho Juiz de Direito da 7ª Vara da Fazenda Pública