Na Veja Para o presidente Lula, eleger o sucessor em 2010 é uma obsessão.

Ele é dono de índices espetaculares de aprovação, colecionador de comendas mundo afora e convicto de que a história do Brasil será dividida entre os períodos a.l. e d.l. - antes de Lula e depois de Lula.

A derrota nas urnas de um herdeiro político não cabe nesse currículo.

Há mais de seis meses o presidente está em campanha apresentando nos palanques sua candidata, a ministra Dilma Rousseff.

Até agora, porém, a fama de eficiente dela e popularidade dele não têm se transformado em intenções de voto no volume esperado.

O que parecia ser a receita correta para o continuísmo está se mostrando um fracasso na prática.

Diante do quadro até agora desfavorável, Lula colocou em andamento um plano alternativo.

O governo decidiu dividir as bênçãos da aprovação plebiscitária de Lula entre Dilma e um segundo nome identificado com a atual administração - o deputado Ciro Gomes, do PSB.

Disputar a eleição presidencial com dois candidatos ungidos pelo Planalto parece, à primeira vista, mais uma daquelas obras de arquitetura política muito atraentes no papel, mas que não se sustentam no mundo do concreto.

A estratégia faz mais sentido quando examinada em dois tempos.

Dar publicidade a esse caminho agora aumenta, pelo menos teoricamente, a perspectiva de continuidade no poder do atual grupo governante.

Isso soa como música aos ouvidos dos potenciais aliados que abominam a ideia de sentir saudade das emas do Palácio da Alvorada a partir de janeiro de 2011.

Quanto maior a perspectiva de vitória maior o poder de atração de apoios.

Quem se beneficiou com isso é Ciro Gomes.

O deputado apareceu na última pesquisa de intenção de voto empatado na segunda colocação com Dilma Rousseff - ambos muito atrás do governador de São Paulo, José Serra.

A diferença é que Ciro está em ascensão enquanto Dilma vem perdendo fôlego, principalmente depois do anúncio da candidatura da senadora Marina Silva, do PV.

Lula relutou em abraçar a candidatura Ciro Gomes.

Nos últimos três meses, o presidente se empenhou em tentar convencer o deputado a transferir o domicílio eleitoral para São Paulo e disputar o governo estadual.

Assim, com uma única tacada, se livraria de um adversário incômodo no plano federal e ganharia um aliado em São Paulo.

As últimas pesquisas, porém, mostraram que Ciro e Dilma podem, pelo menos no primeiro turno, formar uma aliança informal pelo parentesco ideológico e, principalmente, pelo adversário comum.

Ciro é um orador inflamado, exímio construtor de frases que, a despeito da falta de lógica e amparo na realidade, têm poderoso efeito comunicador.

Os julgamentos sobre o que é certo ou errado, bom ou ruim, velho ou novo, saem da boca de Ciro com a certeza de um pregador protestante.

Ele faz o mundo parecer simples.

Isso agrada os ouvidos de certo tipo de eleitor incapaz ou indisposto diante do desafio de destrinchar discursos mais complexos.

Nesse particular, Ciro é o oposto de Dilma.

A ministra é quase sempre cerebral ao ponto de enregelar as audiências com o fogo frio de seu olhar e cordilheira de números que deita sobre seus ouvidos.

Eleitoralmente, Ciro também representa um contraponto à própria Dilma, o que pode parecer um problema, mas também já foi devidamente calculado.

Lula acredita que essa diferença é útil em uma campanha, pois cada um pode enfraquecer Serra em uma frente distinta.

Dilma, a número 1, é novata em disputas eleitorais, enquanto Ciro, o número 2, está no ramo há 30 anos.

Dilma é mineira e fez carreira no Rio Grande do Sul, enquanto Ciro é paulista e fez a vida no Nordeste.

A petista lutou na clandestinidade contra a ditadura quando o socialista ainda nem pensava em fazer política.

Pelas pesquisas, Dilma tem mais penetração no eleitorado menos esclarecido, mais pobre e morador do interior, enquanto Ciro se destaca entre os mais escolarizados, com mais dinheiro e moradores de grandes cidades.

Parece perfeito, mas o PSB e governo tem uma preocupação capital: a personalidade do próprio Ciro.

Em 2002, quando estava bem cotado nas pesquisas, ele mesmo se derrotou ao chamar um eleitor de burro em um programa de rádio.

Depois, disse que a função de sua mulher, a atriz Patrícia Pillar, era apenas dormir com ele.

Para tentar evitar novos contratempos, o PSB estabeleceu condições para aprovar a candidatura.

Ciro não poderá falar mal de Lula, do governo, nem hostilizar o PT ? e terá de manter o equilíbrio, sem reagir a provocações.

Diz o deputado: “A política é cruel, aprendi.

Vão me provocar, mas eu vou ter de engolir, vou ter paciência, dar uma risadinha e deixar pra lá.”