Por Leonardo Boff Erram os que pensam que a saida da senadora Marina Silva do PT obedeçe a propósitos oportunistas de uma eventual candidatura à Presidência da República.

Marina Silva saiu porque possuía um outro olhar sobre o Brasil, sobre o PAC (Programa de Acelaração do Crescimento) do governo que identifica desenvolvimento com crescimento meramente material e com maior capacidade de consumo.

O novo olhar, adequado à crescente consciência da humanidade e à altura da crise atual, exige uma equação diferente entre ecologia e economia, uma redefinição de nossa presença no planeta e um cuidado consciente sobre o nosso futuro comum.

Para estas coisas a direção atual do PT é cega.

Não apenas não vê. É que não tem olhos.

O que é pior.

Para aprofundar esta questão, valho-me de uma correspondência com o sociólogo de Juiz de Fora e Belo Horizonte, Pedro Ribeiro de Oliveira, um intelectual dos mais lúcidos que articula a academia com as lutas populares e as Cebs e que acaba de organizar um belo livro sobre “A consciência planetária e a religião”(Paulinas 2009) Escreve ele: “Efetivamente, estamos numa encruzilhada histórica.

A candidatura da Marina não faz mais do que deixá-la evidente.

O sistema produtivista-consumista de mercado teima em sobreviver, alegando que somente ele é capaz de resolver o problema da fome e da miséria – quando, na verdade, é seu causador.

Acontece que ele se impôs desde o século XVI como aquilo que a Humanidade produziu de melhor, ajudado pelo iluminismo e a revolução cultural do século XIX, que nos convenceram a todos da validade de seu dogma fundante: somos vocacionados para o progresso sem fim que a ciência, a técnica e o mercado proporcionam.

Essa inércia ideológica que continua movendo o mundo se cruza, hoje, com um outro caminho, que é o da consciência planetária. É ainda uma trilha, mas uma trilha que vai em outra direção”. “Muitos pensadores e analistas descobriram a existência dessa trilha e chamaram a atenção do mundo para a necessidade de mudarmos a direção da nossa caminhada.

Trocar o caminho do progresso sem fim, pelo caminho da harmonia planetária”. “Esta inflexão era a voz profética de alguns.

Mas agora, ela já não clama mais no deserto e sim diante de um público que aumenta a cada dia.

Aquela trilha já não aparece mais apenas como um caminho exclusivo de alguns ecologistas mas como um caminho viável para toda a humanidade.

Diante dela, o paradigma do progresso sem fim desnuda sua fragilidade teórica e seu dogma antes inquestionável ameaça ruir.

Nesse momento, reunem-se todas as forças para mantê-lo de pé, menos por meio de uma argumentação consistente do que pela repetição de que “não há alternativas” e que qualquer alternativa “é um sonho”. “É aqui que situo a candidatura da Marina. É evidente que o PV é um partido que pode até ter sido fundado com boas intenções mas hoje converteu-se numa legenda de aluguel.

Ninguém imagina que a Marina – na hipótese de ganhar a eleição – vá governar com base no PV.

Se eventualmente ela vencer, terá que seguir o caminho de outros presidentes sul-americanos eleitos sem base partidária e recorrer aos plebiscitos e referendos populares para quebrar as amarras de um sistema que “primeiro tomou a terra dos índios e depois escreveu o código civil”, como escreveu o argentino Eduardo de la Cerna”. “Mesmo que não ganhe, sua candidatura será um grande momento de conscientização popular sobre o destino do Brasil e do Planeta.

Marina Silva dispensará os marqueteiros, e entrarão em campanha os seguidores de Paulo Freire”. “Esta é a diferença da candidatura Marina.

Serra, do alto da sua arrogância, estimula a candidatura Marina para derrubar Lula e manter a política de crescimento e concentração de riqueza.

Lula, por sua vez, levanta a bandeira da união da esquerda contra Serra, mas também para manter a política de crescimento e de concentração da riqueza, embora mitigada pelas políticas sociais”. “Marina representa outro paradigma.

Não mais a má utopia do progresso sem fim, mas a boa utopia da harmonia planetária.

A nossa visão não é restrita a 2010-2014.

Estamos mirando a grande crise de 2035 e buscando evitá-la enquanto é tempo ou, na pior das hipóteses, buscar alternativas ao seu enfrentamento. É por isso, por amor a nossos filhos, netos e netas, temos que dar força à candidatura da Marina.

E que Paulo Freire nos ajude a fazer dessa campanha eleitoral uma campanha de educação popular de massas”.

Digo eu com Victor Hugo:”Não há nada de mais poderoso no mundo do que uma idéia cujo tempo já chegou”.

PS: Leonardo Boff é teólogo e autor do livro Que Brasil queremos?

Vozes 2000.