(Fotos: Robert Fabisak / JC Imagem) Por João Valadares, de Cidades / JC Se um não estivesse descoberto, passariam por sacos de lixo amontoados à espera do serviço de limpeza urbana.

Mas é gente que espera, com a cara no chão, o serviço de assistência social da Prefeitura do Recife. “Somos pior.

O lixo tem destino certo.” A frase, dita assim sem muita importância, é de um senhor de 58 anos que usa rua como cama há muito tempo.

O endereço da vergonha é o Marco Zero da cidade, numa sobra de calçada do terminal marítimo de passageiros.

Pontualmente, às 21h, a fila é formada. É a fila da humilhação.

Só se desfaz às 5h.

São 31 pessoas embrulhadas.

Não deixam nem o pé do lado de fora.

Quem passa rápido confunde homem e mulher com entulho.

Desamparo é pouco.

Pode-se imaginar que aqueles escondidos ali, muitos adultos e alguns já velhos, conformados em sacos plásticos, resistem às tentativas de abordagem do poder público.

Não é isso.

Abordagem social até existe, a prefeitura cadastrou e conversou com todos eles, mas não há onde colocá-los, onde esquentá-los.

No Recife, cidade com 1,6 milhão de habitantes e um número desatualizado de mendigos, só existe um lugar para acolhimento de homens adultos em situação de rua.

Fica numa travessa da Rua Imperial, no bairro de São José.

Chama-se Centro de Reintegração Social (CRS).

Lá, só cabem 50.

Oficialmente, a Secretaria de Assistência Social do Recife trabalha ainda com os números de uma pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (Unb), que fez um levantamento comparativo entre os anos de 2004 e 2005.

Os dados mostraram que o número de mendigos saltou de 653 para 1.390.

Hoje, existem alguns relatórios do Instituto de Assistência Social e Cidadania (Iasc) que apontam, de maneira aproximada, o contingente.

No ano passado, quase 2 mil pessoas estavam nesta situação.

Em relação a este ano, o dado disponível é de que 72 novos homens adultos, até 59 anos, passaram a viver na rua.

José Carlos de Santana, 64, já foi cozinheiro dos bons.

Trabalhou em hotéis e restaurantes.

Hoje, sobrevive de restos.

Entende bem o que é travesseiro de pedra.

Continua vivo por teimosia mesmo.

Há 46 anos, dorme embaixo da marquise de uma loja de móveis no Centro. “Sou um infeliz.

Meus filhos não sabem nem que eu existo.

Não quero ir para abrigo da prefeitura.

Lá, não presta. É muita bagunça.

Fico aqui até Deus dizer basta.” Mal sabe que, mesmo se quisesse, não teria como ser recebido.

Wilton do Nascimento, 34, exilado por problemas na comunidade, venceu pelo cansaço. “Esperei mais de um ano para ser acolhido.

Lembro bem.

Vim aqui 10 vezes.” Na Rua do Imperador, algumas pessoas montam barracos à noite. “Eles só chegam para retirar nossas coisas e jogar fora.

Vamos para onde?

Tem lugar bom para a gente?”, pergunta Antônio Ferreira da Silva, 61.

Um de seus amigos, o administrador de empresas David Neri Santos, 47, há oito dormindo na frente do Teatro de Santa Isabel, simplifica. “Morador de rua não vota.

De dez, só dois têm documento.” David é ex-funcionário do Banco do Brasil.

Nasceu numa família de classe média.

Trabalhou em várias empresas em São Paulo. “Em 1994 entrei num programa de demissão voluntária do Banco do Brasil.

Com R$ 100 mil na mão, abri uma pequena empresa em Olinda.

Quebrei e, hoje, vivo aqui.” David admite ser dependente de álcool e maconha. “Vendo limpador de parabrisa nos sinais para sobreviver.

O grande problema é que o poder público não tem estrutura para resgatar as pessoas que vivem assim.” Na Rua do Imperador há 20 anos, Darlene dos Santos, 32, espera um auxílio-moradia do Iasc para alugar um quarto. “Parece que eles vão oferecer R$ 50 e eu completo com mais R$ 50.”