No livro Você está louco (Editora Rocco,2006), Ricardo Semler conta uma história sobre Woodstock que poucos conhecem.
E o mais curioso nela é que revela serem os promotores do legendário evento primos do empresário brasileiro bem sucedido.
E mostra o negócio mal sucedido em termos de dinheiro e excelente em termos de referencial de musica que Woodstock nos deu e que neste sábado fez 40 anos: Leia a história: Joel Rosenman é meu primo.
Todo mundo tem primo.
Mas o meu é mais legal.
Estudou nas melhores universidades, ganhou muito dinheiro com investimentos minoritários em empresas, tem um vidão, mora parte do tempo no charmoso Jackson Hole, em Wyoming, parte na Europa.
Quando ele tinha 24 anos, em 1967, juntou-se com o melhor amigo, Jock Roberts, e resolveram usar o dinheiro que eles iriam receber em breve - que estava num truste, guardado pelo banco.
Eram bastante yuppies antes mesmo de a palavra surgir, mas o Joel, meu primo, tocava guitarra em clubes desconhecidos, era mais “brasa mora” do que o Jock.
Contudo, ambos andavam de terno.
Ousados, colocaram um anúncio no The New York Times, intitulado “Jovem com Capital Ilimitado”.
Nele, pediam propostas de negócios.
Receberam mais de mil ofertas, incluindo a idéia de fabricar biciskis - bicicletas sobre esquis -, que chegaram a estudar, e de vender bolas de golfe biodegradáveis.
Uma proposta que veio a eles na mesma época acendeu uma lâmpada na cabeça dos meninos: a idéia de iniciar um estúdio de música em Nova York.
Essa proposta vinha de um cara do ramo, Michael Lang.
Gostaram, discutiram bastante e resolveram pensar numa festa de lançamento do estúdio.
A idéia da festa foi se ampliando porque alguém conhecia o Jimi Hendrix.
Começaram a procurar um lugar e Michael teve a idéia de fazer um evento maior, talvez num campo de futebol ou na roça.
Joel, meu primo, saiu à cata de uma cidadezinha que aceitasse sediar o concerto de rock, sem sucesso.
Quase conseguiu numa pequenina, mas o conselho da cidade, depois de várias audiências, concluiu que haveria drogas demais e mau exemplo para os adolescentes da cidade.
Bob Dylan morava lá perto, num vilarejo chamado Woodstock.
O resto é história.
Conseguiram, afinal, alugar a fazenda de Max Yasgur (que até hoje entrega leite diariamente na cidade de Nova York).
Planejaram tudo, e erraram quase tudo.
A duras penas, convenceram meu tio Frank e o pai do Jock a avalizar o truste perante banqueiros de Wall Street.
Depois, foi um pesadelo de logística contratar Hendrix, Jefferson Airplane, Jerry Garcia e sua banda, The Grateful Dead, Janis Joplin, The Who, Santana, Crosby Stills Nash and Young, The Band, Joe Cocker, Credence Clearwater Revival e Ravi Shankar.
Não eram conhecido, nenhum conjunto queria correr o risco de aceitar.
O jeito foi pagar mais do que os outros.
Os maiores valores do ramo costumavam andar na casa dos US$ 10.000 e Michael, sempre descalço e com cabelo encaracolado caindo sobre o colete colocado por cima do torso nu, oferecia o dobro.
No final, algumas bandas aceitaram e eles começaram a assinar contratos.
Previam público de 20 mil a 50 mil pessoas, que superaria, talvez, a marca recorde de 40 mil pessoas num concerto até então.
Pura arrogância, diziam os promoters de eventos da época.
Bando de meninos metidos.
Uma longa e penosa história de briga com os burgueses de Bethel, Nova York (a cidade onde aconteceria Woodstock), em que o empresário e agricultor Yasgur os defendeu, resultou num movimento em que, com os cidadãos marchando para vetar o festival, a multidão já estava chegando.
Com o medo de uma revolta, cederam, resmungando.
Não foi para menos.
Nas noites seguintes formou-se o pior engarrafamento de rodovia estadual já visto -os hippies iam chegando, viam as filas de 35 quilômetros, largavam as suas kombis coloridas, e saíam a pé.
A polícia rodoviária teve de fechar a rodovia que cruza o estado.
Joel e Jock, os mauricinhos da história, não conseguiam conter o hippie tresloucado Lang, que andava de moto supervisionando centenas de operários cabeludos no trabalho de erguer um palco gigante no meio do pasto do Yasgur.
Lang não via por que economizar e, de qualquer maneira, não tinha muita chance de fazê-lo.
Todo mundo estava dobrando e triplicando a pedida de dinheiro, dos policiais contratados aos conjuntos -Jimi Hendrix só aceitaria se fosse o último a tocar e ganhasse US$ 32.000.
Venderam, ao invés dos 20 mil esperados, 180 mil ingressos antecipados.
A confusão estava criada.
A adrenalina tomava conta dos meninos, enquanto os desacertos se sucediam sem parar.
O festival, no fim, começou sem a tal autorização.
Não havia como conter o tumulto.
Joel mexeu alguns pauzinhos para tentar fazer com que o John Rockefeller, governador de Nova York, declarasse a região calamidade público.
Lang temia que isso resultasse num confronto violento entre a Guarda Nacional e os muitos grupos radicais de esquerda, Panteras Negras e assemelhadas.
Rockefeller, em todo caso, disse que não achava aquilo um ato de Deus e, portanto não declararia calamidade.
Calamidade, porém, foi.
Na primeira manhã dos três dias de “música, paz e amor”, que ficariam para sempre na história de gerações e gerações do rock, havia 250 mil pessoas lá.
Não havia comida, milhares de pessoas estavam famintas.
Um rapaz de 17 anos, enrolado num saco de dormir, havia sido morto por um trator que passou por cima de seu peito, e duas outras pessoas morreram de overdose.
Oito mulheres tiveram aborto induzido e duas crianças nasceram naquele fim de semana.
Para a fome, pedidos no rádio indicavam que havia necessidade de 750 mil sanduíches.
Nunca chegaram.
Mas chegaram mais pessoas.
No final, 450 mil pessoas.
Para ajudar, choveu torrencialmente e o pasto do Yasgur transformou-se num lamaçal.
Joel e turma achavam que seria perigoso parar a música, temiam um motim de dezenas de milhares de drogados e pediam às bandas que aumentassem o tempo no palco.
O primeiro deles, o único músico que estava pronto e pouco drogado na hora, Richie Havens, terminou quatro vezes sua apresentação e a cada vez vinha alguém dizer que ele precisava recomeçar - foram mais de três horas seguidas de show!
Desnecessário dizer que tiveram de desistir de coletar e vender ingressos e botaram abaixo as cercas que haviam erguido ao redor da área.
Mais de cem mil pessoas pisotearam e entraram por cima das cercas.
Houve mais de cinco mil acidentes médicos registrados, metade por cortes nos pés.
Uma tenda gigante abrigava os que viajavam de ácido - o remédio era o recomendado pelo grupo Hog Farm (Fazenda de Porcos), da Califórnia, brutamontes com brincos e coletes de couro: delicadamente, esfregar a mão e falar com a pessoa por horas.
A torazina, que os médicos queriam usar, um violento anula-dor de viagem de drogas, foi proibida pêlos gigantes musculosos - não combinava com o evento.
Os três dias incluíram uma noite em que o Joel ficou de guarda sobre dois cabos elétricos que haviam rompido durante a chuva e emitiam faíscas de um metro de altura - e uma viagem de emergência no meio da noite para um banqueiro abrir um cofre e tirar US$ 50.000 em dinheiro vivo para pagar o The Who e outros grupos que se recusavam a subir ao palco sem ver a cor do dinheiro.
Ao final, 40 processos civis, alguns criminais e muita dívida.
Lang, em seu singular e filosófico desrespeito por dinheiro, havia torrado 300% acima do orçamento.
O festival custou US$ 2,4 milhões e perdeu quase US$ l milhão, em valores de 1969.
O cheque que o Jock Roberts deu no meio da noite para o banqueiro, bem como dezenas de cheques dele e do Joel, emborracharam.
Foram todos devolvidos, sem fundos.
Joel e Jock, de terno, e de rabo entre as pernas, foram ao pai do Jock pedir que ele cobrisse o rombo.
Ele o fez!
A coisa só se equilibrou muitos anos mais tarde, com os lucros do disco, lendário, e do filme da Warner que foi feito na hora por documentaristas quase amadores, em troca do pagamento das bobinas de filme para a Kodak.
Entre esses jovens amadores estava, por exemplo, Martin Scorcese.
Joel e Jock abriram um negócio de investimento quando o dinheiro retornou.
Tiraram Woodstock do currículo deles e da brochura da firma, ao descobrir que todos os negócios se desfaziam quando descobriam que eram os “Vocês tão Locos” por trás daquele festival.
Ficaram milionários com outros negócios e, inclusive, foram donos durante duas décadas de um dos estúdios de música mais hip de Nova York, na Rua 57.
A história completa ele contou num livro que se chama Young Men With Unlimiced -Capital. —- Texto compelido do livro Você está louco Ricardo Semler, Editora Rocco 2006.