Por Gustavo Krause No Poema de sete faces, Carlos Drummond de Andrade escreveu: “Mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução”.

Pegando carona na poesia do filho de Itabira, o cronista da cena política brasileira pode dizer: “Elas se chamam Lina e Marina, são nomes e rimas, mas não são uma solução”.

Lina e Marina, também, não rimam com Dilma.

E aí, viraram problemas para Lula.

No caso da ex-Secretária da Receita Federal, o governo tenta sair de fininho do episódio, no mínimo suspeito, segundo o qual, a Ministra Dilma teria pedido para abreviar o desconforto causado pela fiscalização das empresas ligadas ao filho do Senador José Sarney, então candidato à presidência do Senado.

Ao longo desses sete anos, o governo Lula tem demonstrado invulgar capacidade de mentir e omitir; não enxergar, não ouvir e candidamente confessar que nada sabia dos mais cabeludos escândalos.

Esperteza, muita esperteza no uso de uma estratégia que, no limite, esquece as promessas de redenção ética da prática política e brada a surrada generalização de que todos, em todas as épocas, são irmãos de sangue nas patranhas e nas safadezas.

De outra parte, demonstra proverbial incapacidade de lidar com a separação entre o público e o privado; não distingue o governo do partido e a arca do tesouro do baú da felicidade.

Adoram multiplicar os cargos comissionados por uma simples razão: os comissionados militantes servem ao PT, aos poderosos de plantão e são escolhidos em função da lealdade canina que devotam à orientação partidária; na mesma proporção, detestam a meritocracia burocrática, constituída de funcionários concursados que são, antes de qualquer coisa, servidores do Estado, a salvo do velho sistema de espoliação de que eram vítimas quando mudavam os governos.

A primeira restrição feita à escolha da doutora Lina Vieira, de forma sibilina, foi a militância sindical da Secretária, condição que desperta no governo petista, ao mesmo tempo, simpatia quando o sindicato é dócil, servil, cooptado, o que não era o caso, e suspeitas quando pode fugir ao controle político do governo.

Em seguida, o cheiro de fritura encheu ar quando se levou à débito da Secretária a queda da arrecadação.

Uma cavilação: qualquer fronteiriço com a debilidade mental sabe que a receita caiu em função da recessão econômica.

Por fim, o pecado capital: a Secretária resolveu enfrentar a Petrobrás sobre a qual já ouvi um Presidente da República afirmar que a estatal pode mais do que o Chefe de Estado. É pouco ou quer mais?

Não deu outra.

Pressuroso em agradar o chefe, Mantega entregou na bandeja a cabeça da Secretária.

Nenhuma surpresa em se tratando do atual governo.

Aí a ex-Secretária da Receita Federal falou, o bicho pegou, a Ministra Dilma piscou e gaguejou.

Se ficar provado que a Doutora Lina esteve com a Ministra, confirma-se a prática reiterada do governo em falsear a verdade e a reincidência específica da Ministra ao incluir no seu currículo o título de mestrado de marré, marré.

Com a ex-Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, o buraco é mais em cima.

Se deixar o PT e assumir a candidatura à Presidência da República pelo PV, torna-se o fato novo do quadro sucessório.

E como fato novo, provoca sensatas avaliações e delirantes especulações.

Fiquemos com o que parecem sensatas avaliações: primeiro, a candidatura de Marina Silva dá um toque de emoção à campanha em contraste com a racionalidade, característica dominante das candidaturas postas até agora; segundo, o espaço da emoção – dizem os marqueteiros, agora, amparados pelas incursões da neurociência – é o espaço em que prosperam as candidaturas embaladas pelas mensagens que tocam o inconsciente e mexem no coração dos eleitores; terceiro, a ex-Ministra sintetiza a força simbólica da origem paupérrima (os povos da floresta), da etnia, do gênero, do ambientalismo, força simbólica que fala por si e dá consistência ao discurso; terceiro, a candidatura pode ser o escoadouro do descontentamento e da descrença, mobilizando um voto de protesto positivo em relação ao status quo.

Nada disso autoriza conclusões precipitadas.

Pelo contrário, ensina aos apressados que a noção de tempo na política não guarda a menor relação com o tempo no ritmo do calendário gregoriano.

Portanto, haja tempo daqui até as eleições.

Haja conta, cenários e perguntas sem respostas como, por exemplo, a quem prejudica e a quem beneficia a candidatura de Marina Silva?

Em princípio, estimula Ciro; depois, claramente, confronta Dilma e ocupa o espaço de setores da esquerda que não se contaminaram com o “pragmatismo lulista”, expressão que uso para não perder as estribeiras da elegância; por fim, crescendo o espaço da emoção e da descrença pode receber votos potencialmente destinados aos candidatos convencionais.

Em política não há erro sem paga.

Hoje, amanhã, sempre.

Lina Vieira, de repente, vê exposta sua credibilidade em confronto desigual.

Credibilidade é um patrimônio que dá um trabalho danado para ser construído e, com um peteleco, pode ruir por terra, principalmente se este peteleco é obra dos poderosos.

Marina Silva, “a ministra do bagre”, padeceu na solidão política dos que se aventuram na tarefa de cuidar do meio ambiente; teve sonhos desfeitos; merecia mais consideração na saída do governo.

Para o Presidente Lula, Lina e Marina, mais que uma rima, é um problemão.