Por Ciara Carvalho e João Valadares, no JC desta sexta Um contrato de 308 milhões e garantia de lucro milionário com a venda de energia produzida a partir da queima do lixo.
Faturamento estimado em mais de R$ 90 milhões por ano.
Um atrativo e tanto para qualquer empresa com foco em engenharia ambiental.
Era de se imaginar uma disputa acirrada por uma das fatias mais valiosas do bolo.
Mas, com o lixo em jogo, prevalece a lógica do bloco do eu sozinho.
A sequência de fatos é sempre a mesma.
Abre-se a licitação, várias empresas compram o edital e, depois, pulam fora. É o jogo do resta um.
No caso do Recife Energia, a fórmula foi mantida.
Mais de 50 empresas adquiriram o edital.
Apenas o consórcio formado pela Qualix, Kogenergy e Serquip apresentou proposta para habilitação.
Mesmo questionado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), o processo licitatório prosseguiu.
Com uma decisão judicial na manga, a prefeitura assinou contrato com o vencedor.
O JC teve acesso ao recente parecer do Ministério Público de Contas em relação ao descumprimento da determinação do TCE.
No documento, de 10 de julho, o procurador Guido Rostand argumenta que os pontos contemplados no mandado de segurança, usado pela prefeitura para seguir com a licitação, eram menos abrangentes do que a decisão do TCE.
O procurador é claro.
Diz que caberia ao poder público anular a concorrência, modificar o edital e reiniciar a licitação.
Nada disso foi feito.
Pede também instauração de auditoria especial para averiguar “se a contratação causou prejuízo ao erário.” As declarações do procurador-geral do Ministério Público de Contas, Cristiano Pimentel, lançam uma sombra de insegurança jurídica sobre a licitação milionária. “As determinações do TCE têm força obrigatória.
Caso a PCR não concorde, caberia a ela entrar com um mandado de segurança no Tribunal de Justiça de Pernambuco contra o Tribunal de Contas do Estado. É o único meio de afastar uma determinação do TCE”, afirmou Pimentel.
O parecer ainda vai ser submetido à apreciação da 2ª Câmara do TCE, formada pelos conselheiros Marcos Nóbrega, Valdeci Pascoal e Fernando Correa. “Se o tribunal acatar o parecer, encaminharemos ao Ministério Público de Pernambuco o pedido para que atue na esfera judicial para afastar a ilegalidade.
Isso pode gerar uma ação de improbidade administrativa e provocar a anulação do contrato assinado”, esclareceu.
A auditoria especial do TCE 0602074-4 indicou sete pontos que deveriam ser modificados.
Entre as alterações determinadas estavam a modificação da tarifa base do edital e fixação de critérios mais objetivos para cálculo da pontuação dos licitantes.
A prefeitura chegou a entrar com recurso, mas, após a decisão favorável dada pelo Tribunal de Justiça, resolveu retirá-lo.
O TCE arquivou o recurso no dia 14 de agosto de 2007.
Nessa data, o Consórcio Recife Energia já havia sido proclamado vencedor.
Dois pontos levantados são a falta de competitividade e os critérios de julgamento.
No entendimento dos inspetores, o peso 7 para a proposta técnica e apenas 3 para a proposta de preço abria a possibilidade para que a empresa vitoriosa ganhasse com preço até 33% mais alto.
Na prática, a prefeitura formatou um edital que permitiria que o vencedor assinasse contrato com R$100 milhões a mais de diferença para o segundo colocado.
Após a análise, os auditores entenderam que as exigências e critérios estabelecidos para contratação seriam restritivos ou, no mínimo, pouco atrativos aos interessados.
Na defesa apresentada ao TCE, a prefeitura explicou que a finalidade não era apenas a obtenção do menor preço possível, mas a possibilidade de exercer sua competência constitucional de resguardo do meio ambiente. “Nem sempre a menor tarifa espelha a melhor contratação para o poder público.
No presente caso, não se pretende qualquer tecnologia através da outorga, e sim tecnologia que seja eficiente, econômica e com retorno a longo prazo para o município.” A Secretaria de Assuntos Jurídicos preferiu não comentar o parecer do Ministério Público de Contas.
Alegou que não poderia se posicionar sobre um documento ao qual não teve acesso.
Em relação à falta de competitividade, a justificativa é que é preciso entender a lógica de mercado.
O engenheiro Roberto Gusmão, secretário de Serviços Públicos na segunda gestão de João Paulo, disse que o medo da prefeitura era de que nenhuma empresa participasse da concorrência. “Se você analisar, em várias licitações públicas só houve um único concorrente.
Isso não significa que existiu um acordo, que houve um direcionamento para favorecer x ou y.
Na verdade, nesse caso, a gente tinha medo de não aparecer ninguém.”