Oito anos após tomar a decisão de manter nas mãos de uma única empresa a maior fatia do contrato do lixo do Recife, o ex-prefeito João Paulo justifica sua escolha.
Diz que o critério foi financeiro: ao concentrar os serviços, o município ganharia na economia de escala.
Questionado sobre os bastidores da decisão, ele argumentou que não lembrava os detalhes.
Na entrevista, ligou para um dos seus secretários, na época, para recordar a sequência dos fatos e se eximiu da responsabilidade pelo caos na limpeza da cidade, que marcou o início da gestão do seu sucessor, João da Costa.
JORNAL DO COMMERCIO – O senhor assumiu a Prefeitura do Recife em 2001, tendo que fazer uma licitação para a coleta de lixo.
Foram realizados estudos e a recomendação do corpo técnico da própria PCR apontou pela divisão do contrato de prestação do serviço em quatro lotes.
Por que essa orientação não foi seguida?
JOÃO PAULO – A característica do edital de licitação de 2002 é que ele foi marcado pela ampliação do serviço de coleta, com 100% de cobertura.
Antes, era só para 60% da cidade.
JC – Certo.
Mas havia um relatório técnico que indicava quatro lotes e a decisão foi por dividir a cidade em dois, um maior de 80% e um menor de 20%.
Essa opção, inclusive, nem estava entre os cenários apresentados.
JOÃO PAULO – O que eu me recordo é que havia um cenário que apontava que a redução do preço era maior com a contratação de uma só empresa, por causa da economia de escala.
Eu lembro que tivemos uma reunião da coordenação de governo para tomar essa decisão.
E eu ouvi os assessores para saber qual o caminho que a gente devia tomar, porque essas decisões eu nunca tomava sozinho.
Eu me recordo que houve essa reunião e fizemos a escolha pelos dois lotes, porque era a mais racional do ponto de vista do custo, haja vista que a gente estava aumentando para 100% a cobertura da coleta.
Agora, as bases dessas informações eu não me lembro como eram.
JC – A decisão pelos dois lotes gerou um descontentamento no grupo técnico que realizou o estudo.
Houve um movimento até de entregar os cargos..
JOÃO PAULO – Isso não chegou a mim.
Pode ter havido, mas não chegou a mim.
JC – O senhor usou o argumento da redução de custo para a escolha dos dois lotes, mas o resultado da licitação mostrou que esse modelo não foi econômico.
Relatório do TCE comprovou que a falta de competitividade na licitação do lote maior fez com que o município deixasse de economizar R$ 54 milhões.
JOÃO PAULO – As informações que eu tinha eram de que quando aumenta o número de participantes você tem empresas que entram sem essencialmente ter condições de garantir a execução do serviço.
E a operacionalidade dessas pequenas empresas é pior ainda.
JC – Mas a Empresa Andrade Guedes ganhou o lote menor e até hoje não há informações de reclamação do serviço dela.
Pelo contrário, a chiadeira foi contra a Qualix, a vencedora do lote maior.
JOÃO PAULO – Quanto à questão do número de lotes, a orientação que eu tive é que quanto maior o número de lotes mais difícil seria garantir a qualidade do serviço.
JC – Mesmo o modelo que concentra nas mãos de uma só empresa não se mostrando competitivo?
JOÃO PAULO – A questão de competitividade acho que não cabe a mim.
Foi estabelecido um critério e se deu margem a quem quisesse participar, num processo aberto e na forma da lei.
JC – Mas quem regula o modelo dos lotes não é o mercado, é o poder municipal.
JOÃO PAULO – Eu tenho a decisão técnica e a decisão política.
Esse modelo vinha funcionando.
Porque eu já peguei esse modelo assim.
JC – De fato, ele já vinha sendo adotado em muitas gestões anteriores.
Mas o senhor, como gestor, por duas vezes, em 2002 e 2008, teve a oportunidade de mudar esse formato.
No primeiro edital, por uma orientação técnica da própria PCR, e no segundo, porque o modelo se mostrou antieconômico.
Por que mantê-lo então?
JOÃO PAULO – Veja bem, essa questão da rentabilidade você nunca sabe onde vai dar.
O pessoal sempre me falava das reclamações das empresas menores.
Se eu botar quatro, vai ter questionamento, se eu botar um, vai ter questionamento.
Então como nós não tivemos problemas, eu decidi manter o que já estava funcionando.
Nessa questão da desigualdade dos preços, a minha avaliação foi a seguinte: para não inventar a roda, nós vamos deixar com a mesma base de antes.
Agora, poderia ser também que, num processo com quatro ou cinco empresas, porque a gente está partindo de suposições, a gente tivesse empresas com preço menor, mas sem garantir a qualidade do serviço.
JC – No fim do ano passado, a demora para o lançamento do edital terminou obrigando a Qualix a prorrogar por mais seis meses um contrato que já tinha completado seis anos, o que depreciou os equipamentos utilizados.
Isso não contribuiu para o colapso da coleta de lixo vivido nos primeiros seis meses da gestão do prefeito João da Costa.
JOÃO PAULO – Um edital, como esse, pela sua complexidade, ele leva um tempo (para ser formulado).
JC – O senhor se sentiu responsável, em parte, pelo caos que a cidade enfrentou?
JOÃO PAULO – Eu acho que a questão não é de responsabilidade.
O problema é que houve dificuldades e isso para mim foi uma surpresa.
Porque nós nunca tivemos nenhum problema, mesmo com a prorrogação do contrato (por 12 meses).
Pelo contrário.
Esse era o serviço mais bem avaliado na minha gestão.
JC – E o senhor acha que aconteceu o quê?
JOÃO PAULO – Eu não sei.
O que a empresa alegou na conversa que teve com o novo prefeito foi que eles tiveram muita dificuldade em relação à crise e para investir na aquisição de equipamentos.
Porque, veja bem, a empresa tem a responsabilidade de garantir o serviço, seja por licitação ou não.
JC – Mas eles alegaram que comprar equipamentos novos para apenas seis meses (tempo da dispensa de licitação) não compensaria um investimento tão alto.
JOÃO PAULO – Mas isso é opção de quem escolhe determinado setor para trabalhar.
Essa é a realidade do Brasil.
Então o capitalista tem que ter condições de bancar o seu serviço, independentemente do processo.
O serviço foi pago e tem que ser feito até o último dia do contrato. É um grande investimento, mas também é um grande valor de contrato.