Por Augusto Nunes Até janeiro de 2003, o procurador Luiz Francisco Fernandes de Souza encontrava um pecador por semana.

Desde o dia da posse do companheiro Lula, não enxergou mais nenhum.

Aos 47 anos, há seis e meio ele anda sumido do noticiário político-policial que frequentou com assiduidade e entusiasmo enquanto Fernando Henrique Cardoso foi presidente.

Continua solteiro, mora na casa dos pais, pilota o mesmo fusca-85, enfia-se em ternos amarfanhados que imploram por tinturarias e não usa gravata.

A fachada é a mesma.

O que mudou foi a produtividade.

Se o que aconteceu nos últimos meses tivesse ocorrido na Era FHC, Luiz Francisco estaria encarnando em tempo integral, feliz como pinto no lixo, a figura do mocinho disposto a encarar o mais temível dos vilões.

O Luiz Francisco moderno quer distância de barulhos.

Enquanto cardeais da igreja principal e sacerdotes do baixo clero multiplicavam em ritmo de Fórmula 1 o acervo nacional de crimes, delitos, contravenções e bandalheiras em geral, ele atravessou o primeiro semestre em sossego.

Enquanto senadores pediam empregos, ele encaminhava pedidos de licença remunerada.

Todos foram atendidos.

Nascido em Brasília, ex-seminarista da Ordem dos Jesuítas, ex-bancário, ex-sindicalista, Luiz Francisco cancelou a filiação ao PT em 1995, 20 dias antes de tornar-se procurador. ”A militância é incompatível com o cargo”, explicou.

A prática trucidou a teoria: nunca militou com tamanha aplicação.

Convencido de que sobrava bandido e faltava xerife, não respeitava fins de semana, feriados ou dias santos. “Trabalhar é minha grande diversão”, repetia entre uma e outra denúncia.

Luiz Francisco garante que ganha pouco mais de R$ 7 mil por mês.

Até que desistisse da candidatura a operário-padrão, mereceu os R$ 19 mil prometidos como salário inicial a um procurador do Distrito Federal.

Nenhum outro conseguiria acusar tanta gente durante o dia e, à noite, escrever dúzias de parágrafos do livro que exigira 24 anos de pesquisas.

Publicado em 2003 pela Editora Casa Amarela, “Socialismo, Uma Utopia Cristã” pretende provar, segundo o autor, que “até a metade do século XIX o socialismo exibia uma clara inspiração religiosa, especialmente cristã”.

Tem 1152 páginas.

Deveria ter sido menos prolixo.

Intrigados com o mistério da multiplicação das horas do dia, outros procuradores e todos os inimigos examinaram com mais atenção a papelada que jorrava da sala de Luiz Francisco.

Aquilo não fora obra de um homem só, informaram as mudanças de estilo, a fusão de trechos corretamente redigidos com atentados brutais ao idioma, o convívio promíscuo entre substantivos em maiúsculas e adjetivos em minúsculas.

E então se descobriu que o inquisidor incansável frequentemente assinava ações, denúncias e representações que já lhe chegavam prontas, enviadas por interessados na condenação de alguém.

Decidido a atirar em tudo que se movesse fora do PT, acabou baleando com denúncias fantasiosas vários inocentes.

Nenhum foi tão obsessivamente alvejado quanto Eduardo Jorge Caldas Pereira, secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique.

Há menos de dois meses, o Conselho Nacional do Ministério Público reconheceu formalmente que Eduardo Jorge, enfim absolvido das denúncias improcedentes, foi perseguido por motivos políticos e condenou o perseguidor a 45 dias de suspensão.

Luiz Francisco alega que o caso está prescrito.

Se tivesse obedecido à Justiça, bastaria provar que pelo uma das numerosas acusações a Eduardo Jorge fazia sentido.

Como obedeceu aos mandamentos da seita petista, prefere usar o calendário para encerrar a história que o devolveu ao noticiário no papel de culpado —pela segunda vez desde o começo da superlativa temporada de férias.

A primeira está completando três anos.

Em 2006, o procurador que se dispensou de procurar criminosos foi procurado pelo colombiano Francisco Colazzos, o “Padre Medina”, procurado pela Justiça do país onde nasceu.

O foragido apresentou ao homem da lei as credenciais de embaixador das FARC e pediu ajuda para escapar da cadeia.

Celebrada a aliança entre o ex-sacerdote acusado de homicídio e o ex-seminarista que nunca viu um pecador caseiro, renasceu o ativista temerário.

Luiz Francisco ensinou o parceiro a safar-se de investigações policiais.

Os truques só conseguiram retardar a prisão.

O protegido esperava na gaiola o julgamento do pedido de extradição encaminhado pela Colômbia ao Supremo Tribunal Federal do pedido de extradição quando o protetor foi à luta.

Embora não tivesse nada a ver com o caso, entrou com uma ação judicial para que Colazzos fosse devolvido à Polícia Federal.

A solicitação foi encampada sucessivamente pelo Ministério Público, pela Polícia Civil e pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, Nelson Ferreira Junior, antes de esbarrar no ministro Gilmar Mendes.

Admoestado pelo presidente do STF, publicamente e com aspereza, Luiz Francisco só escapou de castigos mais severos porque o Planalto nunca falta a companheiros aflitos.

Dois meses depois da tentativa de obstrução da Justiça, o governo promoveu Colazzos a guerrilheiro, concedeu-lhe asilo político e, de brinde, arrumou emprego para a mulher.

Sem alternativa, o STF devolveu-o a liberdade.

O que mais andou fazendo Luiz Francisco para matar o tempo?, quis saber a coluna nesta sexta-feira.

Uma funcionária da Procuradoria informou que não seria possível encontrá-lo.

Em lugar incerto e não sabido, está gozando de mais um período de descanso remunerado.