(Foto: Chico Porto / JC Imagem) Número 172742-4 Descrição AGRAVO DE INSTRUMENTO Relator RICARDO DE OLIVEIRA PAES BARRETO Data 25/05/2009 15:42 Fase DEVOLUÇÃO DE CONCLUSÃO Texto Agravo de instrumento nº 172742-4 - Comarca do Recife Agravante: Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Recife.
Agravado: Ministério Público do Estado de Pernambuco.
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Trata-se de agravo de instrumento em face de decisão proferida nos autos da ação inibitória coletiva de origem, na qual se deferiu parcialmente a tutela perseguida, no sentido de determinar que o ora agravante, o Município do Recife e o Estado de Pernambuco, abstenham-se de levar a efeito qualquer alteração no complexo imobiliário identificado como Hospital Ulysses Pernambucano, conhecido como Hospital da Tamarineira, sob pena de pagamento de multa fixada.
Em suas razões, de fls. 06/36, a agravante aduz preliminar de impropriedade da via eleita por falta de ocorrência de iminência ou de dano efetivo, e, no mérito, que a decisão vergastada estabeleceu restrições ao exercício do direito de propriedade sobre o imóvel objeto do litígio sem qualquer fundamento legal, de forma a vulnerar a garantia inscrita no art. 5º, XXII, da Constituição Federal, bem como que o fato da referida propriedade estar tombada já garante a manutenção das suas características arquitetônicas na hipótese de eventual alienação do seu domínio, nos termos da norma de regência, sendo, assim, descabidas as restrições fixadas judicialmente, o que daria ensejo à sua suspensão e, no mérito, a revogação em definitivo do provimento liminar questionado.
Com a inicial recursal vieram os documentos de fls. 40/150.
Determinei a formação de contrariedade para, posteriormente, apreciar a pretensão suspensiva.
Nas contra-razões de fls. 167/177, o Ministério Público alega que ajuizou a ação inibitória primária buscando salvaguardar o complexo hospitalar referenciado, diante de anunciados empreendimentos naquela localidade, em atenção ao interesse público, exatamente por sua destinação pública que, segundo alega, deve ser preservada, conforme determinações das Leis Municipais nºs 16.176/96 e 16.719/01, imóvel este tombado através do Decreto Estadual nº 15.650/92.
Fundamenta cabimento para a ação proposta nos arts. 3º, 12 e 21 da Lei nº 7.347/85 (LACP); 81, I, e 90 da Lei nº 8.078/90 (CDC) e 5º, XXXV, da CF.
Pugna preliminarmente pela negativa de seguimento do agravo, dito manifestamente inadmissível, na forma dos arts. 527, I, e 557 do CPC, e, no mérito, requer a manutenção da liminar deferida, que estaria fundada nos art. 273 do CPC; 12 da LACP, e 83 e 84, § 3º, do CDC, como também argumenta falta de efetiva prova de propriedade da área questionada por parte da agravante, e, ainda que proprietária fosse, não estaria ela a sofrer qualquer espécie de dano diante dos termos da decisão guerreada, a qual, ao contrário, estaria a proteger seu patrimônio, tudo sob pena de malferimento dos arts. 1.228, caput e § 1º, e 1.277 e seguintes do CC; 5º, XXII e XXIII, da CF.
A peça veio acompanhada dos documentos de fls. 178/192.
Autos conclusos.
Feito este sucinto relato, decido monocraticamente.
O presente agravo instrumental já se encontra admitido, de modo que passo a apreciar a pretensão suspensiva nele deduzida.
Neste sentido, a controvérsia que ora se revisa cinge-se ao cabimento jurídico de manutenção, ou não, da antecipação inibitória dos efeitos da tutela de mérito deferida pelo juízo singular, qual seja, a determinação de impedir a agravante de alterar a “natureza da utilização do imóvel em referência, mormente reforma, demolição, derrubada de árvores, retirada de vegetação ou qualquer outro tipo de desfiguração” no mesmo como um todo, estendo, por via de conseqüência, a ordem inibitória ao Estado de Pernambuco e ao Município do Recife, senão depois de prévia ouvida dos órgãos competentes.
Há, inicialmente, duas questões processuais a serem enfrentadas em ordem prejudicial: inadmissibilidade do recurso e impropriedade da via eleita.
O recurso nada tem de manifestamente inadmissível, ao contrário, busca fazer valer tese fundada de descabimento da liminar deferida, exame que desafia solução recursal meritória.
Também não há impropriedade na via eleita, vez que há pretensão igualmente fundada de defesa preventiva de interesse difuso, cujas alegadas ameaças devem ser objeto da instrução processual oportuna.
No mais, o complexo hospitalar em referência encontra-se tombado, conforme expresso na Resolução nº 01, de 26 de novembro de 1991, do Conselho Estadual de Cultura, homologado pelo então governador do Estado, mediante o Decreto nº 15.650, de 20 de março de 1992, entendendo por descabida a alegação de falta de prova de efetiva propriedade por parte da agravante, até porque foi a mesma indicada como legitimada passiva pelo próprio agravado na ação pioneira, de modo que não se deve admitir venire contra factum proprium.
Em seguida, observo que o tombamento pode ser definido como o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público sujeita a restrições parciais bens de qualquer natureza, cuja conservação seja de interesse público, por vinculação a fatos memoráveis da história ou por seu excepcional valor arqueológico ou etnológico, bibliográfico ou artístico. É de se mencionar que essa modalidade de intervenção na propriedade por meio da qual o Poder Público procura proteger o patrimônio público como um todo difuso, configura-se sempre como uma forma de restrição parcial, não impedindo ao particular o exercício dos direitos inerentes ao domínio, garantidos constitucionalmente.
Os principais efeitos do tombamento em relação ao proprietário do bem são: a) prestações positivas, como fazer obras necessárias à conservação do bem; b) prestações negativas, como a impossibilidade de destruir, demolir ou mutilar o bem, e de c) suportar a fiscalização do bem pelo órgão técnico competente.
A lei assim define e os órgãos competentes serão obrigatória e previamente consultados antes de qualquer interferência no patrimônio que esteja protegido pelo regime legal imposto, de modo que a transferência do domínio a quem quer que seja em nada interfere no regime jurídico a que está o bem submetido, ou, em outras palavras, eventual adquirente, assim como o antigo proprietário, estão obrigados a suportar estas restrições, de forma que a sua natureza de bem de interesse público permanece inalterada. É da jurisprudência pátria que “é possível alienação a qualquer título de bem imóvel tombado, desde que preservada as características determinantes do próprio tombamento (TRF2, AI 90792/RJ, T3, rel.
Des.
Fed.
Frederico Gueiros, DJ de 15/01/2003)”.
Assim, aparentemente, as restrições fixadas pela decisão ora vergastada, de fls. 141/149, “como a proibição de reformar, demolir, derrubar, retirar vegetação ou qualquer tipo de desfiguração do imóvel” já estão abarcadas pela modalidade de intervenção na propriedade a que o bem originariamente está submetido, não se vislumbrando na sua manutenção qualquer utilidade prática.
Pontue-se, ainda, a existência do direito de preempção instituído em favor da União, do Estado e do Município pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, em caso de alienação onerosa de bem objeto de tombamento, devendo referidos entes políticos serem devidamente notificados no prazo de 30 (trinta) dias para o exercício do direito de preferência para sua aquisição, sob pena de nulidade da alienação.
Também nesse aspecto não aparenta constar qualquer indício de que esse direito de preferência não esteja sendo respeitado, de forma que também aqui não se vislumbra qualquer conduta ilícita.
Assim, ao menos nesta seara cognitiva, não visualizo qualquer ato que possa ameaçar ou causar dano iminente que justifique a manutenção da tutela inibitória deferida, ao contrário, o que vejo é a ocorrência de potencial dano inverso, ante o impedimento de uso e fruição de um bem próprio mesmo dentro das limitações postas pelas normas de regência.
Por estas razões, à falta dos pressupostos autorizadores do art. 461, § 3º, do CPC, com fundamento nos arts. 527, III, c/c 558 do CPC, defiro a suspensividade requerida, sem considerar vulneradas as normas de regência explicitamente prequestionadas pelo agravado.
Oficie-se o juízo de origem acerca do conteúdo da presente decisão, para o necessário cumprimento e, em seguida, encaminhem-se os autos à douta Procuradoria de Justiça para opinar.
P. e I.
Recife, 22 de maio de 2009 Des.
Ricardo Paes Barreto Relator Tamarineira pode ser primeira decisão espinhosa do novo arcebispo, sucessor de Dom José