Por Ayrton Maciel Jornalismo não é arte.

Não é arte plástica, não é arte cênica, não é literatura, não é cordel, não é o artesanato da palavra.

Jornalismo é só uma profissão, um ofício com suas técnicas de apuração, redação e apresentação, que tem seu espaço de criação, mas, que - diferentemente da arte - não tem qualquer traço de ficção, nem é ilimitado no imaginário do jornalista.

Uma atividade que, infelicitadamente, ganhou um glamour - influência do grande desenvolvimento tecnológico que nos tempos modernos deu áurea à informação - e uma dimensão muito além do que ela em si mesmo deveria merecer.

Pensem só: ser tachada de o quarto poder já é algo que transcende às relações equilibradas em sociedade.

Não está instituído que a imprensa é poder, mas ela atua como tal.

Povoa o imaginário popular.

Caberia à imprensa apenas informar e formar as pessoas para que pudessem ter o espírito crítico em seu lívre arbítrio para julgar, analisar, optar ou decidir.

Porém, passou a ser mais do que isso.

Passou a um estágio de status ser apresentado como jornalista.

Portanto, nada como todo mundo querer ser jornalista.

Todo mundo não, todos aqueles que crêem que imprensa é poder e que ser jornalista é ser, estar e conviver com o poder.

Por isso, é comum, nos dias atuais, as páginas de opinião dos jornais estarem preenchidas de artigos de autores que se identificam por sua profissão original e por uma segunda atividade complementar: jornalista. É desembargador e jornalista, médico e jornalista, escritor e jornalista, advogado e jornalista etc, etc, etc.

Ou seja, todo mundo é jornalista.

Nenhum quer, entretanto, deixar uma sala com ar-condicionado para subir morros cariocas, entrar em favelas do Recife, percorrer periferias de São Paulo, virar noites e feriados em coberturas de tragédias.

Nas próximas 48 horas, o Supremo Tribunal Federal (STF) irá julgar uma entre duas situações: a preservação ou o fim de uma profissão.

Irá dizer se Jornalismo é arte, que qualquer ser humano letrado poderá exercer, ou se Jornalismo é um ofício que necessita de formação (e abnegação!).

Ao contrário daqueles que acreditam que Jornalismo é uma arte, há aqueles - os profissionais, os abnegados - que são convictos de que um jornalista, em seu ofício, não está fazendo arte, seja literatura ou qualquer criação.

O jornalista não cria, apenas relata, narra, conta.

Coincide, tão-somente, com o artista apenas na necessidade imperiosa da liberdade de expressão.

Liberdade que, ao ser utilizada, recebe a áurea de liberdade de imprensa.

Uma pequena metamorfose, porque, no Jornalismo, liberdade de imprensa é só uma forma de liberdade de expressão.

Esta é muito mais ampla, inclui, inclusive, a liberdade nas artes.

O Jornalismo faz parte do imaginário do homem, mas é só o mediador da comunicação.

Assim, não é arte, não pode ter a criatividade das artes, não pode ser ficção.

As matérias primas deste ofício são a verdade (o fato) e o conhecimento acumulado.

Então, não é liberdade de expressão em todas as suas formas.

Mais que isso!

Jornalismo não se vende, não é mercadoria, não é moeda de troca, de barganha ou de acumulação de riqueza.

Quem assume o papel do capital é a empresa privada e quem assume o papel do poder público é o Estado, por seus aparelhos de controle ideológico e por suas instituições de poder, não é o Jornalismo.

Portanto, precisa ter alguém para exercê-lo com identidade.

Mas, nos dias que se precedem, corremos todos - aqueles que têm o Jornalismo por atividade exclusiva e para qual se prepararam - e a sociedade o risco de conviver com uma profissão para qual não se exigirá preparo, muito menos um código de ética, e sem que haja uma categoria.

Na medida em que deixar de existir uma regulamentação profissional, deixará de existir uma categoria.

A remuneração, as condições de acessibilidade, as regras de um código de atuação, os critérios para as pautas, tudo será orientado pelos interesses, pela empresa, pelo poder.

Aí, o Jornalismo vira mercadoria.

Qual independência terá um profissional para dizer não a quem lhe ferir os escrúpulos ou o direito de consciência?

Jornalismo também não é, e não pode ser, o refúgio dos incompetentes, a atividade dos que não deram certo em outros ofícios e, por falta de opções mais fáceis, venha a ser a alternativa de senhores de dinheiro, políticos ou autoridades de verem um filho enfim empregado e finalmente com uma profissão.

Jornalismo não pode ser a ocupação dos que não deram certo no direito, na engenharia, na medicina, na economia, no comércio, em qualquer outro ramo.

Nem dos que querem o título para glamourizar o curriculo.

E não pode ser o meio mais fácil de atuaçã de organizações sociais que não queiram respeitar a organização primária da sociedade: o trabalho.

Este é a primeira das organizações sociais.

Uma exigência natural que a revolução industrial e a organização do capitalismo provocaram.

A organização do trabalho foi a contrapartida necessária e o sindicato o instrumento de mediação.

Como, então, ter sindicato forte sem uma profissão regulamentada, sem existir categoria?

Neste País, não há ramo de empresas que tenha tantos privilégios e incentivos que o da comunicação, a mídia, a imprensa.

Qual o grande jornal do Brasil que fechou as portas de 1964 para cá?

O último grande título que encerrou a atividade foi o Última Hora, empastelado pelo regime militar.

Jornais não pagam imposto sobre importação de papel, rádios e TVs não perdem a concessão.

Não há um só. À sombra de 64, muitos tornaram-se grandes conglomerados de comunicação, que conseguem rolar dívidas ou obter empréstimos para sair de dificuldades sem os empecilhos que os outros ramos empresariais emfrentam.

A comunicação tem sido o melhor ramo para se construir um monopólio.

Até de quem parte a acusação de inconstitucionalidade da regulamentação de uma profissão, no verso não pesa a arguição de inconstitucionalidade da propriedade cruzada dos meios de comunicação.

Enfim, quem já pesquisou ou leu jornais de décadas passadas ou sobre o Jornalismo que se fez até 1969, o ano da regulamentação dos jornalistas brasileiros - um decreto que é só uma legislação trabalhista -, constatará que o Jornalismo feito foi sempre inferior ao Jornalismo que se faz.

Fazemos um Jornalismo sempre melhor do que sempre se fez.

E temos que agradecer aos cursos instituídos a partir nos anos 40 e 50, à formação no Jornalismo, que ampliou o profissional, deu-lhe a noção de impessoalidade, despertou-lhe a sensibilidade para o que é notícia, instigou-lhe a independência e exigiu-lhe um código de ética profissional.

Com tudo isso, se não há imparcialidade, por serem todos humanos, há condição de ser isento no exercício do ofício.

O risco será perder tudo para quem acha que Jornalismo é arte.

PS: Ayrton é presidente do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (SinjoPE).