Por André de Paula As palavras têm um poder ilimitado para o bem e para o mal.
Encanta e desencanta; mobiliza e aprisiona; ilumina e escurece; apazigua e atormenta e, como diz o provérbio “a morte e a vida estão no poder da língua; o que bem utiliza come do seu fruto”.
Quando vêm de cima, ou seja, quando são ditas por um Chefe de Estado, as palavras exercem enorme influência sobre as pessoas.
Afora a habilidade da retórica populista, o Presidente Lula sofre de grave incontinência verbal.
A linguagem vulgar e os termos chulos comporão no futuro uma crônica inversa às antologias deixadas pelos grandes líderes políticos.
E mais: o estilo Lula não se limita a ferir a gramática e a lógica, fere, o que é mais grave, valores.
Neste sentido, vale a pena fazer alguns registros.
Machistas e sexistas foram as infelizes declarações: “É preciso melhorar a nossa massa encefálica dentro do cérebro para as pessoas compreenderem que as mulheres precisam ser respeitadas”; “É preciso caminhar mais para que o Brasil e os Estados Unidos cheguem ao ‘ponto G’ dos negócios”.
O desprezo pelos valores republicanos está explícito na branda qualificação de “aloprados” aos delinqüentes que encomendaram o dossiê nas eleições presidenciais de 2006; aos correligionários que escondiam dólares na cueca; aos indiciados que engordaram suas contas bancárias com o mensalão, como trelas do “caixa 2, coisa que todo mundo faz”.
Os gracejos incompatíveis com a liturgia e a solenidade da instituição presidencial, saudadas com o riso alvar e a baba bovina dos áulicos e dos aduladores profissionais de todo governo, podem ser resumidas na apócope vulgarizada “Sifu” para justificar um otimismo irresponsável, como se médico fora, frente a uma economia adoecida pela crise.
Por sua vez, a famosa “marolinha” revela a mistura de soberba e descaso com a maior crise global da história da humanidade, retardando a ação do governo que, no primeiro momento, limitou-se, por meio da fala do trono, a estimular, irresponsavelmente, o consumo das famílias sem levar em conta o risco do desemprego.
E na estratégia de se eximir das responsabilidades, esquecendo a contrapartida dos efeitos apropriados da longa prosperidade internacional, Sua Excelência excedeu-se em deselegância para, em tom discriminatório, responsabilizar pela crise “a gente branca de olhos azuis”.
Nada excede em mau gosto e afronta do que as alusões presidenciais ao mais impactante problema contemporâneo – a questão ambiental, uma real ameaça à sobrevivência da humanidade.
Pois bem, o Senhor Presidente reduz o tema à dimensão de sua compreensão sobre ele, qual seja, nenhuma.
Primeiro, foi em abril de 2007 quando afirmou que o licenciamento ambiental das hidrelétricas de Jirau e Santo Antonio estava travado “por causa do bagre que jogaram no colo do Presidente”.
A Ministra Marina, ao entregar o cargo, acusou o golpe: “Fui considerada a ministra dos bagres”.
Segundo, foi no mês passado, em visita ao Estado do Acre, com um longo relato da história de uma perereca que retardou o andamento de obra viária no Rio Grande do Sul.
O terceiro episódio e o mais grave de todos: o governo do Presidente, inspirado no poder de suas palavras, age e, neste sentido, enviou a MP 452 (detalhe: trata do Fundo Soberano) em cujo projeto de conversão foi incluído o art. 3º que não somente fere a Constituição Federal como também comete duas monstruosidades contra o meio ambiente: dispensa as obras rodoviárias de licenciamento prévio e cria o licenciamento por “decurso de prazo”.
O Ministro esteve prestes a jogar o colete, ou melhor, a toalha e não o fez porque declaradamente vai trabalhar pela supressão do artigo no Senado, que está prestes a votar a matéria.
Senhor Presidente, seus pensamentos, palavras e obras não agridem os bichinhos – a perereca e o bagre: atingem violentamente o valor inestimável da biodiversidade; seus conceitos arcaicos turbinam a ação predadora das motosserras e reduzem o debate contemporâneo sobre a questão ambiental ao falso dilema crescimento econômico versus conservação dos recursos naturais; suas tiradas inadequadas enfraquecem o mais robusto movimento social do planeta, o ambientalismo, como se fosse uma excêntrica conversa fiada de bichos-grilos.
Por fim, um lembrete: não é o meio ambiente que limita as políticas de crescimento econômico; foram políticas de crescimento, a qualquer custo, que geraram tamanho passivo ambiental que tornou o patrimônio natural um bem assustadoramente escasso.
PS: André de Paula é deputado federal, atual líder da minoria na Câmara dos Deputados e ex-presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara.