Editorial do Jornal do Commercio desta quinta Soa estranha e ultrapassada a linguagem do secretário de Cidades do Estado, Humberto Costa, em recente entrevista ao JC.

Para ele, não existe “a oposição”, existe “a direita” e, do lado oposto, “a esquerda”.

A primeira é o mal, a segunda, o bem.

Talvez seja hora de Humberto Costa – inegavelmente um dos bons quadros do Partido dos Trabalhadores em Pernambuco – começar a fazer uma autocrítica, até como uma contribuição pedagógica aos que ainda pensam e se orientam politicamente a partir dessa divisão com cheiro de mofo.

E são muitos os caminhos indicadores de que é mesmo tempo de arquivar chavões que tiveram prestígio e até explicação no tempo da Guerra Fria, quando o mundo estava marcadamente dividido entre soviéticos, a “esquerda”, e norte-americanos, a “direita”.

Não faz muito tempo vivíamos essa simplificação que não cabe mais na cabeça de ninguém de bom senso, até porque o lado do “bem” não era tanto quanto se imaginava e o lado do “mal” desenha hoje um quadro que nos velhos tempos seria “de esquerda”.

Trazido para mais perto de nós esse tema riquíssimo de formulações históricas e doutrinárias desde a revolução francesa, poderia o secretário, mesmo mantendo fidelidade a suas convicções, tentar explicar como ler o discurso do maior líder de seu partido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando recebeu, em dezembro de 2006, o título de Brasileiro do Ano.

Ali a maior autoridade petista falou sobre a evolução da espécie humana e disse que quem é mais de esquerda vai ficando mais de direita.

Quem é mais de direita vai ficando mais de centro, pois as coisas vão confluindo de acordo com a quantidade de cabelos brancos.

E sentenciou: “Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela está com problema.

Se conhecer uma pessoa muito jovem direitista, é porque está com problema”.

Não se pode negar coerência no discurso do presidente.

Ela está presente no seu ministério e na base aliada, ambos formados por figuras que no passado jamais entrariam num diretório do PT e seriam impensáveis na equipe de um governo daquele partido.

Daqui mesmo temos exemplos emblemáticos: na eleição de Arraes, em 1986, o adversário José Múcio Monteiro era um usineiro “de direita” que jamais poderia ser absorvido – e absolvido – pela “esquerda”, estigmatizado que estava pela origem.

Hoje, José Múcio é o articulador político do presidente Lula.

O que dizer de tantos outros nomes que antes eram direitistas, conservadores, em alguns casos intoleráveis reacionários, e hoje fazem parte do governo, estão na base aliada, ou em palanques de outrora convictos esquerdistas?

Isso nos leva à convicção de que a classe política precisa evoluir no discurso e até nos cacoetes, porque se a prática exige uma fundamentação teórica, esta não contempla discursos que revelam o vício de origem.

Do secretário Humberto Costa – que é apenas um modelo para todos mais envolvidos na disputa de mandatos – se espera que anteponha a suas aspirações eleitorais com ideias mais ajustadas ao nosso tempo e nossa realidade.

Por exemplo: como ele vê o desmantelo do Congresso diante das incontáveis denúncias de improbidade, como encara a questão da vergonhosa verba indenizatória, o fato de o parlamentar brasileiro ganhar quatro vezes mais que um parlamentar inglês, de como conviver com cidadãos que se desdobram na defesa da imunidade parlamentar para exercitar impunemente a bandidagem, e por aí vai.

Significa dizer: tanto quanto imaginar a ideia de esquerda e direita como a imaginavam os teóricos nos tempos do mundo dividido – da desigualdade como um fato social ou como um fato natural – cabe a qualquer líder político brasileiro questionar as deformações do poder que representa e que, em qualquer circunstância, sob qualquer ótica – de direita ou de esquerda – é sustentado por todos nós que pagamos impostos.