Descompromisso com o Estado Por RAUL HENRY UM ESTADO forte é uma condição essencial ao desenvolvimento das nações.
A garantia da soberania nacional, da justiça e da segurança, a regulação da vida econômica e social, o provimento dos serviços públicos básicos, a correção dos desequilíbrios internos e as políticas indutoras do desenvolvimento são funções genuínas do Estado.
A atual crise econômica só reafirmou essa constatação.
Estado forte e apto a cumprir suas funções, no entanto, não significa Estado obeso e ineficiente.
O Brasil entrou no ciclo de maior crescimento da história do capitalismo após realizar tarefas cruciais do seu dever de casa: a inflação sob controle, os esqueletos da dívida pública contabilizados, o sistema financeiro saneado e uma lei de responsabilidade fiscal em vigor.
Cabe a reflexão: que avanços o país conquistou nesses anos de bonança?
Como foram investidos os recursos da crescente carga tributária e do exponencial aumento de arrecadação?
Além de não ter realizado as reformas de segunda geração, essenciais à modernização do país, a gestão do Estado foi submetida a uma nefasta aliança entre o corporativismo, o descompromisso e o aparelhamento da máquina pública.
Os números são incontestáveis: nos últimos seis anos, foram criados, apenas na administração direta da União, 7.745 novos cargos de confiança.
Empregos destinados às indicações político-partidárias, que nada contribuem para a profissionalização do serviço público.
E esse número, vale salientar, não contabiliza as empresas estatais, cujos dados são de baixa transparência e difícil apuração.
O aumento do número de servidores pagos pelo Tesouro nacional, de janeiro de 2003 a janeiro de 2009, chegou à espantosa marca de 241.978 servidores, já descontadas as 52.859 aposentadorias.
A despesa total com pessoal em 2002, corrigida pelo IPCA, foi de R$ 97.537 bilhões.
Para 2009, a previsão é de R$ 157.019 bilhões.
Por ano, R$ 60 bilhões a mais.
Essa conta, em 2009, será maior que o pagamento dos juros da dívida. É fato que o avanço do corporativismo sobre o erário vem de longe.
Estudo realizado pelos pesquisadores Bender e Fernandes, da USP, atestam essa realidade.
Em 1992, a média salarial do setor público no Brasil era 62% superior à média salarial do setor privado.
Em 2004, já era 95% superior.
Quando se consideram só os estatutários do setor público, aqueles que têm estabilidade no emprego, esse avanço foi de 64% para 111%.
Se a amostra ficar restrita exclusivamente aos estatutários da União, o número salta de 137%, em 1992, para 262% em 2004.
Outro dado relevante é a comparação entre o crescimento acumulado do PIB (28%) e o crescimento do custeio do Estado (74%) nos últimos seis anos.
E mais: em nenhum ano desse período de exuberância na arrecadação o governo federal conseguiu investir sequer 1% do PIB brasileiro em infraestrutura.
Um exemplo do descompromisso na gestão dos recursos públicos merece ser citado.
Após o Congresso Nacional aprovar o controle dos recursos do imposto sindical pelo TCU, o próprio presidente Lula se encarregou de vetar esse artigo, deixando esses tributos livres de qualquer fiscalização, mesmo diante das evidências de desvios fartamente noticiados pela imprensa.
Os que acham o Estado brasileiro raquítico apoiam-se agora em um “estudo” do Ipea e afirmam que o Brasil tem poucos funcionários públicos, com tendência de queda dessa despesa em relação ao PIB.
Primeiro, a tendência não é declinante, é ascendente.
Em 2003, a despesa representava 4,65% do PIB.
Encerrou 2008 com 5% do PIB, com forte crescimento previsto para 2009.
Segundo, não existe teoria econômica que defenda uma correlação entre crescimento do PIB e crescimento de despesa com pessoal.
E, ressalte-se, no período, embalado pelo crescimento mundial, o Brasil cresceu como não fazia desde a década de 1970.
Portanto, para essa proporção de despesa crescer em relação ao PIB, foi grande sua expansão.
Outro argumento é a necessidade de políticas anticíclicas “neokeynesianas”.
A crise exige, sim, políticas anticíclicas.
Mas baseadas em investimento público, não em contratação de funcionários.
Essas contratações resultam em despesas irredutíveis pelos próximos 70 anos, até a morte do último pensionista.
Esta é a lamentável realidade brasileira: a carga tributária, de Primeiro Mundo, cresce.
A capacidade de investimento não aumenta, nem melhora a qualidade dos serviços públicos, de Terceiro Mundo.
E os recursos vão para o ralo de um Estado ineficiente e obeso.
RAUL JEAN LOUIS HENRY JÚNIOR , 44, economista, é deputado federal pelo PMDB-PE.