Na Folha de São Paulo deste domingo Em um lugar onde a emissão de gás carbônico per capita supera a taxa dos EUA (20,14 toneladas por ano), quase toda energia elétrica é gerada à base de óleo diesel e a água potável disponível dá conta de menos da metade da sua população.

O retrato de ruína ambiental é justamente do paraíso ecológico mais festejado do Brasil, Fernando de Noronha.

O Instituto Chico Mendes, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, coordenou estudo inédito de capacidade de suporte da ilha e constatou sérios equívocos no modelo atual de gestão de Noronha.

O último vestígio de mata atlântica insular está sujeito a um processo de degradação de seus recursos naturais.

O grande vilão, de acordo com pesquisadores, é a forma de obtenção de energia.

Um gerador movido a diesel é a fonte quase única que provê a ilha de 12 km2.

A unidade geradora consome cerca de 2.000 toneladas do combustível fóssil por ano, liberando grande parte das 50 toneladas de gás carbônico per capita de Noronha.

A emissão de poluentes dos quase mil carros em circulação completa a paradoxal contribuição do arquipélago para o efeito estufa.

O estudo estabelece como meta o uso de 30% de energia renovável em três anos e queda pela metade do consumo de combustíveis fósseis no mesmo período.

Um dos grandes consumidores da energia suja produzida em Noronha é o dessalinizador de água.

Dele, sai praticamente toda água potável -ainda muito salgada- consumida na ilha.

A oferta de água per capita é considerada muito pequena.

A água que sai do dessalinizador é suficiente para 630 pessoas -a ilha comporta diariamente uma média de 4.000.

De acordo com parâmetros da OMS (Organização Mundial de Saúde), a situação é de ameaça à sobrevivência na ilha.

A bióloga e moradora da ilha Cristina Polentino Campos, 27, diz que a oferta de água já foi pior, mas ainda é escassa e pode ser o motivo dos problemas de hipertensão registrada entre moradores.

Ela bebe da água dessalinizada, mas, para sua filha de cinco meses, compra água mineral, a R$ 3 a garrafa de 1,5 litro.

São R$ 300 por mês.

Medidas como coleta de água da chuva e reaproveitamento poderiam minimizar o problema da escassez.

São produzidas, por ano, 3,5 toneladas de lixo -por dia, na cidade de São Paulo, são 9.500 toneladas.

Orgânico e seco, vai tudo misturado para o lixão, onde se gasta tempo e dinheiro separando e embalando lixo seco para ser enviado, de navio, para Recife.

De acordo com o administrador da ilha, Romeu Baptista, são gastos R$ 200 mil por mês para tratar e enviar lixo até o continente.

O problema poderia ser evitado com coleta seletiva e veto de entrada de produtos como garrafas pet, avalia Guilherme Abdala, coordenador-geral do estudo, da consultoria Elabore.

Muito do lixo permanece na ilha, e boa parte dele vem dos turistas, que não recebem orientação devida.

Em 2006, desembarcaram 86 mil pessoas em Fernando de Noronha.

Quando a viagem é feita de navio, chegam a desembarcar mais de 600 pessoas de uma só vez, em uma só praia, mesmo com a restrição legal de 400 pessoas por dia.

Para passear com os turistas, filas com mais de cem bugues se formam.

O diretor de Ecossistemas do instituto, Ricardo Soavinski, diz que não é só uma questão de restringir entrada.

Com uma gestão adequada é possível, inclusive, aumentar a capacidade de Noronha.

Nesta semana, Soavinski se encontra com o administrador da ilha e com pessoas do governo de Pernambuco para decidir como fazer as mudanças que o estudo aponta como urgentes.