Ministro diz que Mendes destrói Justiça Na Folha de São Paulo de hoje O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Gilmar Mendes, e Joaquim Barbosa protagonizaram ontem, em plenário, uma das mais duras discussões entre dois ministros durante um julgamento na história da corte.

Barbosa disse ao colega que ele está “destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro” e que deveria saber que “não está falando com seus capangas de Mato Grosso”.

O confronto, que teve início às 17h40 e durou pouco mais de dez minutos, ocorreu quando os ministros discutiam recursos referentes a duas ações diretas de inconstitucionalidade.

Tratava-se de um julgamento que declarou inconstitucional uma lei do Paraná que permitia a funcionários de cartório privado receber aposentadoria pela previdência pública daquele Estado e outro, sobre a possibilidade de políticos continuarem com foro privilegiado mesmo após saírem do cargo.

Devido ao clima de constrangimento, o ministro Carlos Ayres Britto chegou a pedir vista para encerrar a discussão, e Marco Aurélio Mello, por sua vez, requisitou o fim da sessão.

O clima tenso continuou a portas fechadas no gabinete de Mendes.

Barbosa foi embora, mas oito ministros se reuniram para discutir o assunto.

Eles divulgaram uma nota após o encontro.

Classe Tudo começou quando Mendes acusou Barbosa de fazer julgamentos distintos conforme a classe dos envolvidos.

Barbosa afirmou que os ministros deveriam discutir quem seriam os beneficiados das decisões e Mendes respondeu: “Não se trata de fazer defesa de A ou B, esse discurso de classe não cola”.

Barbosa então disse que o colega deveria expor sua tese “em pratos limpos”.

Mendes rebateu: “Ela foi exposta em pratos limpos.

Eu não sonego informação.

Vossa Excelência me respeite…

O tribunal pode aceitar ou rejeitar [teses], mas não com o argumento de classe.

Isso faz parte de populismo judicial”.

Mendes afirmou, então, que o colega não tinha participado dos primeiros julgamentos sobre o tema, quando o mérito havia sido discutido.

Barbosa lembrou que estava de licença.

Quando o debate esquentava, Ayres Britto pediu vista, suspendendo momentaneamente a discussão.

Poucos minutos depois, o clima novamente esquentou, após Mendes dizer que Barbosa não tinha “condições” para “dar lição de moral”.

Barbosa voltou a se exaltar: “Vossa Excelência está destruindo a Justiça deste país e vem agora dar lição de moral a mim?

Saia à rua, ministro Gilmar, saia à rua, faz o que eu faço”, disse Barbosa.

O presidente da corte retrucou: “Eu estou na rua, ministro Joaquim”.

Mas Barbosa continuou: “Vossa Excelência não está na rua, não.

Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário brasileiro. É isso. (…) Vossa Excelência, quando se dirige a mim, não está falando com os seus capangas de Mato Grosso, ministro Gilmar.

Respeite”, disse, citando o Estado de origem de Mendes.

Polêmicas Ao afirmar que Mendes estava na “mídia”, Barbosa se referiu às polêmicas recentes protagonizadas por Mendes.

Chamado por detratores de “líder da oposição”, o ministro entrou em choque com o Executivo ao sustentar que supostos abusos da Polícia Federal demonstravam haver mecanismos de um Estado policial em ação.

A ofensiva ocorreu após a revelação, ainda sob investigação, de que Mendes fora grampeado ilegalmente em meio à Operação Satiagraha.

A concessão de dois habeas corpus ao banqueiro Daniel Dantas levaram Mendes a ser criticado por entidades de juízes e promotores.

Também por conta da Satiagraha, o presidente do STF criticou a aproximação entre juízes de primeira instância e Ministério Público, que teriam, segundo ele, passado a atuar de forma conjunta.

Barbosa é um ministro cuja visão processual costuma seguir a de promotores e procuradores.

Sob o mandato de Mendes, que completa um ano hoje, mais do que em qualquer outro momento da história da corte, o STF passou a apreciar questões sobre as quais ainda não havia legislação, o que gerou desconforto entre políticos, com queixas de que ministros estariam usurpando prerrogativas do Legislativo.

Mendes, ao se pronunciar sobre o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), reafirmou ser ilegal o repasse de verbas a entidades envolvidas com invasões.

O clima tenso entre os ministros não vem de hoje.

Barbosa já protagonizou outras discussões com os ministros Eros Grau e Marco Aurélio Mello.

Em outro debate, com Mendes, Barbosa o acusou de pretender adotar o “jeitinho” para mudar resultado de julgamento.

Barbosa foi embora ontem sem comentar a discussão.