Ana Lúcia Andrade e Ciro Carlos Rocha Ele tem 58 anos, 35 de vida pública e uma batalha de três anos e meio contra o câncer.

O ex-governador, ex-senador e deputado federal Carlos Wilson Campos fala, pela primeira vez, sobre a doença.

Em sua residência, em Boa Viagem, onde nos recebeu na última terça (13), Cali, como é carinhosamente conhecido, confessou as dificuldades do momento que vive, anunciou sua saída da vida pública - embora demonstre não conseguir se afastar muito da política, atividade que começou a exercer aos 23 anos -, lembrou episódios marcantes de sua trajetória e de outros líderes - a exemplo da decantada disputa Arraes x Jarbas - e de sua relação com Lula, entre outros assuntos.

Nas mais de três horas de entrevista - uma parte publicada hoje e outra amanhã -, esboçou também esperança. “Sou um lutador.

Enquanto eu tiver forças, estarei aí lutando”, afirmou.

JORNAL DO COMMERCIO - Como está sendo o enfrentamento de uma doença que lhe acompanha há anos?

CARLOS WILSON CAMPOS - Há três anos e meio eu tive um problema no rim e perdi o rim esquerdo.

Desde então venho fazendo um tratamento, um tratamento duro, muito duro, mas tenho enfrentado.

Apenas não consigo ainda exercer o mandato como gostaria.

Participando mais, mais presente nas comissões.

Mas tenho procurado dentro das minhas limitações fazer o que eu posso.

JC - É um mandato que o senhor quis muito…

CARLOS WILSON - É.

Fui deputado muito moço, com 23 anos.

Fui um deputado, na verdade, improvisado.

Fui deputado porque meu pai, assim como Paulo Guerra (vice-governador de Arraes em 1962), queria que os filhos fossem.

Foi o pai para eleger o filho.

E elegeu muito bem, mas inteiramente imaturo.

Cinco meses de mandato e meu pai foi cassado e eu tive que amadurecer.

A cassação do meu pai fui muito dura.

Defendi ele como podia.

Discursei, mostrando minha indignação.

Ele foi usado como escudo para popularizar um ato que foi odiento, extremamente antidemocrático, que foi o AI-5 (decreto emitido pelo regime militar após o Golpe de 64).

Porque o objetivo não era meu pai, mas ameaçar Paulo Brossard (ex-ministro do STF e TSE), Marcos Freire (1931-1987), Jarbas e outros (parlamentares da época).

Mas ele foi julgado naquele caso Moreno (Wilson Campos foi acusado de intermediar um empréstimo, em troca de comissão, para o Cotonifício Moreno ao antigo Bandepe em 1975).

Papai apenas queria me ajudar, e pronto, não teve nada.

Mas eu tenho que agradecer o meu amadurecimento à cassação dele.

Foi quando procurei me aproximar de pessoas que podiam me acrescentar na vida, politicamente.

JC - O senhor integrava o chamado grupo Renovação da Arena?

CARLOS WILSON - É.

Mas aí começaram as greves no ABC e eu me interessei.

Acompanhava doutor Ulisses (Guimarães).

Aonde esse pessoal ia, defender preso político, eu estava no meio, botando a minha cara.

JC - Mesmo em partido de direita?

CARLOS WILSON - Mesmo estando.

Havia um grupo de oito ou dez deputados, comandado por Teotônio Vilela (1917-1983), que eram da Arena.

Foi quando conheci Lula e começa assim minha carreira política.

Aí veio o processo de Anistia e o grupo renovador, que era de dissidentes da Arena, queria votar a favor da Anistia, das eleições diretas, da redemocratização mais rápida.

E (João) Figueiredo (1979-1985) com aquelas loucuras.

Prendia, arrebentava.

Uma vez lhe pedi uma audiência e disse que não tinha condições de manter o quadro de repressão.

Pedi por Cajá, Edvaldo Nunes (ex-líder estudantil), e levei um esporro de Figueiredo grande.

Disse a Figueiredo que Cajá era um líder estudantil, mas ele reagiu: “Aquele é um perigoso comunista!”.

Nem físico ele tinha para ser perigoso comunista (risos).

Bom, a redemocratização começou a andar mais forte e veio a votação da Anistia.

Votei na Anistia ampla, geral e irrestrita.

Fui o único deputado de Pernambuco, da Arena, a votar.

E um dos oito do Brasil.

Perdemos por bem pouquinho.

Em 79 com a volta de Arraes…

Porque quando Arraes saiu do Brasil eu tinha 13 anos, não sabia nem o que era política, mas sempre me valia da família dele, principalmente de um filho que hoje está muito doente, Carlos Augusto Arraes.

Ele está com um câncer na medula, já teve um no fígado, faz hemodiálise.

JC - O senhor também está fazendo?

CARLOS WILSON - Não.

Faço um tratamento normal.

Fiz agora uma radioterapia porque fraturei o ombro direito.

Mas aí Arraes voltou.

Eu não era do MDB, era da Arena, mas ia aos eventos (do MDB).

Quando anunciavam meu nome levava uma vaia.

O pessoal do MR-8, o próprio Cajá, Leila Abreu.

Jarbas é quem tomava as dores.

Quando veio o pluripartidarismo (1979), Thales Ramalho era o guru do centro porque queria uma abertura mais gradual.

Ele me dizia que esse negócio de ir para o PMDB não ia dar certo. “Esse povo não engole você.

Se vai surgir o PP, ele será um aliado do PMDB, a gente faz uma aliança com o PMDB mas com a identidade da gente”.

Foi aí que fundamos o PP com Tancredo Neves.

Mas Pernambuco é um Estado polarizado.

Aqui não tem terceira via, está provado.

Se tentou implantar há 30 anos e não se consegue.

Fui para o PPS, tentar ser candidato a prefeito (do Recife) por uma linha mais ampla, e perdi.

Fui para o PTB, porque Lula pediu, pensava em 2002 fazer uma aliança, veio Ciro (Gomes) e foi tudo por água abaixo.

Terminei pagando um preço alto.

JC - Como tem sido os seus dias na batalha contra a doença?

CARLOS WILSON - Há um mês fraturei o ombro e tive que fazer um tratamento sério, de radioterapia, porque tenho uma metástase no ombro esquerdo e no direito.

Com a fratura doeu muito, foi uma coisa terrível, então tive que fazer uma cirurgia em São Paulo.

Pulei mais essa fogueira.

Foi uma cirurgia muito delicada.

Tive complicações, eles estavam me dando remédio para afinar o sangue e eu tive uma bruta hemorragia, passei dois dias quase que liquidado.

JC - Há quanto tempo está nessa batalha?

CARLOS WILSON - Três anos e meio.

Mas sou um lutador, enquanto eu tiver força estarei aí lutando.

Tenho grande admiração por quem faz isso.

Quando Lula esteve aqui ele me disse: “Carlos Wilson, você tem que voltar logo”.

E eu disse: “Querido, estou lutando para voltar”.

Me espelho muito na figura de José Alencar (vice-presidente e que também enfrenta um câncer).

Um cara com mais de dois metros de altura, que toma remédios com efeitos colaterais, com a idade mais avançada, vai para uma parada de Sete de Setembro e passa duas horas em pé, no sol!

E mais ainda, penso naqueles que não têm condições de fazer tratamento.

No lugar de estar lamentando o que acontece, eu agradeço, porque eu tenho plano de saúde.

Roseana (senadora Roseana Sarney) é outra heroína.

Ela já fez 21 operações, com anestesia geral, e continua a vida do mesmo jeito.

A gente sempre foi muito amigo, assim como sou de seu pai (senador José Sarney).

Sou isso.

Perdi em algum momento, na hora em que fui fazer política.

Briguei e não ganhei nada, só fiz perder.

JC - Tem feito muitas revisões?

CARLOS WILSON - Eu faço.

Todo dia faço um balanço, sempre procurando me dar mais força para superar essas dificuldades.

Converso, telefono muito, as pessoas me procuram.

Tem essa confusão aí da Câmara (disputa para a presidência da Câmara Federal).

Aldo (Rebelo), Ciro (Nogueira) e Michel (Temer).

JC - Quantas cirurgias o senhor já fez?

CARLOS WILSON - Cirurgia mesmo foram só duas.

A do ombro e a do rim.

Agora fiz tratamentos.

Ficar doente é ruim, muito ruim, mas têm coisas boas também.

Você poder ajudar, conversar com quem está doente, dar força a quem está doente.

E depois, sou uma pessoa muito espiritualizada.

Tenho muita fé.

Isso me ajuda muito.

Sou devoto de Santa Rita, vou à igreja.

Mas não sou carola, faço o que quero.

Rezo, converso com quem tenho fé, isso tudo me dar força.

E é o que me faz estar aqui hoje conversando.

Porque outros ficaram pelo caminho.

Não quiseram enfrentar.

Sou de enfrentar o que tiver.

Sou de formação católica e tive uma pessoa que teve uma força muito grande sobre mim, que não era político, era um padre de Garanhuns, monsenhor Adelmar da Mota Valença, do Colégio Diocesano, onde estudei.

Quando assumi o governo, ouvi dele o seguinte: “É uma honra muito grande ter um ex-aluno governador de Pernambuco”.

Tive muita sorte na convivência com as pessoas e tive capacidade e humildade de aprender com as pessoas.

De ouvir mais do que falar.

Na hora em que eu falei mais, eu perdi.

Na hora em que eu briguei mais, eu perdi mais.

Essa é a lição que deixo para os meus filhos.

JC - O senhor tem se dedicado a alguma leitura?

CARLOS WILSON - Leio pouco.

Sou mais leitor de jornal.

Leio quatro jornais por dia e um livro, uma vez ou outra.

Agora mesmo estou lendo um livro bobo, de Danuza Leão: Fazendo as Malas.

Não gosto de violência, de guerra, isso me faz mal.

Sou incapaz de pagar um ingresso no cinema para ver um filme de tiroteio.

Eu gosto de rir.

Eu gosto de me distrair.

Estou tranquilo comigo mesmo.