The New York Times Manny Fernandez e Javier C.
Hernandez Em Binghamton, Estado de Nova York (EUA) Uma das vítimas foi uma mulher que sobreviveu a três atentados a bomba no seu nativo Iraque.
Uma outra era uma avó que tinha 17 netos, daquelas que se recusam terminantemente a se aposentar, e que fazia serviços voluntários na sua sinagoga.
E havia ainda uma dona de casa das Filipinas, uma costureira que trazia no bolso um medalhão oval que o seu pai lhe dera para protegê-la dos perigos.
Dois dias após um dos maiores assassinatos em massa da história do Estado de Nova York, os moradores de Binghamton e de cidades vizinhas reuniram-se em uma cerimônia em homenagem aos 13 homens e mulheres que foram mortos, no momento em que a cidade divulgava os nomes de todas as vítimas.
Na manhã da última sexta-feira, um imigrante vietnamita de 41 anos, Jiverly Wong, armado com duas pistolas, entrou na Associação Cívica Americana, um centro de serviços para imigrantes, onde até recentemente ele assistia a aulas para melhorar o seu inglês.
Wong baleou e matou 13 alunos imigrantes e funcionários da associação, feriu quatro outros e, a seguir, suicidou-se.
Os mortos eram de todas as partes do mundo: dois dos Estados Unidos, quatro da China, dois - marido e mulher - do Haiti, um do Vietnã, um do Iraque, um do Brasil, um das Filipinas e um do Paquistão.
Na tarde do domingo, duas das vítimas - Layla Khalil, 57, e Parveen Ali, 26 - foram enterradas após um velório na Organização Islâmica de Southern Tier, do qual participaram cerca de 300 pessoas.
Mais tarde, as pessoas reuniram-se em uma escola secundária para um serviço memorial ecumênico.
A polícia divulgou novos detalhes a respeito de Wong, mas ainda está tentando descobrir a motivação do assassino.
Joseph Zikuski, chefe da polícia de Binghamton, disse que Wong veio para a área no final da década de 1980, mas ficava viajando entre Nova York e a Califórnia.
Em 1992, Wong foi indiciado na Justiça por fraude.
Ele tornou-se cidadão naturalizado em novembro de 1995, e no ano seguinte recebeu licença para possuir uma arma curta no condado de Broome.
Segundo Zikuski, Wong também recebeu uma licença para a posse de uma arma na Califórnia.
Wong casou-se e divorciou-se na Califórnia, mas a polícia ainda não localizou a ex-mulher dele.
Elisabeth Hayes, 62, a professora de inglês de Wong na associação, diz que ele matriculou-se na sua classe no final de janeiro, e compareceu esporadicamente até abandonar o curso no início de março.
Ela calcula que ele assistiu a algo entre dez e 15 aulas. “Ele vinha esporadicamente; e não regularmente”, conta Hayes. “Depois ele simplesmente deixou de comparecer”.
Hayes diz que não sabe por que ele falava pouco, acrescentando que Wong nunca foi alvo de provocações ou zombarias na sala de aula. “Ele não participou das aulas por tempo suficiente para que uma relação fosse estabelecida”, diz a professora. “Não detectei nada que pudesse me fazer pensar que ele faria isso”.
Na sexta-feira Hayes estava de férias, e a sua aula era ministrada por Roberta King, uma professora substituta, que foi morta durante o ataque.
Após atirar em duas recepcionistas, Wong foi até a sua antiga sala de aula e abriu fogo.
Segundo a polícia, ele matou ou feriu todos os que estavam na sala, incluindo King, antes de suicidar-se lá dentro.
Hayes descreve Wong como um indivíduo “frágil” e “introspectivo”.
Ela diz que corrige o inglês de todos os alunos; alguns gostam disso, outros não.
Wong era um dos que não gostavam de ser corrigidos.
A três quilômetros do local do crime, os corpos de duas mulheres muçulmanas jazem em macas dentro de sacos mortuários de cor púrpura em frente a uma mesquita em Johnson City.
Pessoas de luto estão de pé em fileiras enquanto o imame Kasim Kopuz dirige as orações.
Khalil, a nativa do Iraque que sobreviveu a três ataques a bomba, tinha três filhos: uma moça que recentemente concluiu um curso de mestrado na Universidade de Binghamton; um filho que está estudando na Universidade Sorbonne em Paris; e um outro filho, Mustafa Alsalihi, aluno da Escola de Segundo Grau de Binghamton. “Neste ano ela viria assistir à minha formatura”, diz Mustafa, 17. “Ela dizia: ‘Quero ver você se formar nos Estados Unidos’”.
Samir Alsalihi, 63, marido de Khalil, e professor visitante da Universidade de Binghamton, diz que a mulher, com quem ele estava casado havia 31 anos, tinha paixão por aprender e havia se matriculado no curso para melhorar o seu inglês e socializar-se com pessoas de outras culturas. “Sinto falta dela”, diz Samir.
Khalil emigrou para a Jordânia sete meses atrás, fugindo da violência no Iraque, conta Ehtisham Siddiqui, presidente da Organização Islâmica de Southern Tier. “Esta é uma das ironias desta situação”, afirma Siddiqui. “O marido dela tinha acabado de me contar como os dois sentiam-se felizes por estarem finalmente em um lugar tão pacífico”.
Ali veio do norte do Paquistão para os Estados Unidos sete anos atrás.
O irmão dela, Nadar Ali, 24, conta que a irmã queria ser professora. “Ela era como uma mãe, uma amiga”, diz Ali. “Ela me preparou para frequentar à escola, ter sucesso, ir para a Universidade e ser alguém na vida”.
Ele e a irmã pretendiam visitar as Cataratas do Niágara no último sábado. “Só para ver”, diz ele.
Longe das cerimônias, o dia de luto desenrolou-se de uma forma mais privada e triste para os parentes dos mortos.
Omri Yigal, 53, marido de Dolores Yigal, também de 53 anos, a dona de casa das Filipinas, preparava-se para sair da casa em que morava com ela, na Avenida Saint John.
Ele disse que iria ao hospital onde se encontrava o corpo da mulher para lavá-lo.
Ele colocou em sacolas o vestido de casamento e o xampu favorito dela.
Eles estavam casados havia quase três anos.
Yigal, que nasceu no Tennessee, conheceu-a em 2006 em um website para a busca de parceiros de relacionamentos.
Ela tinha colocado lá um anúncio afirmando que buscava alguém “gentil, fiel, leal, amigável, norte-americano, canadense ou japonês”. “Qualquer coisa, contanto que ele tenha pulsação”, brincava o casal mais tarde ao comentar o anúncio.
Eles encontraram-se pela primeira vez em Manila, em setembro de 2006.
Uma semana mais tarde, estavam casados.
Em Binghamton, eles levavam uma vida tranquila.
Ela ficava em casa, lavando roupas a mão, e passando as camisetas e as bermudas de Yigal.
Ela matriculou-se, relutantemente, na associação para assistir a aulas de inglês, o primeiro passo para encontrar um emprego, talvez como babá ou auxiliar de salas de aula.
Na maior parte dos dias, ela levantava-se às 5h para a sua aula às 9h.
Ela preparava mingau de aveia - salpicado de pedacinhos de maçã e passas - para ambos.
Antes de sair para a aula, ela geralmente voltava ao quarto para dar um beijo no marido.
Mas na sexta-feira, por algum motivo, ela não fez isso.
Yigal tomou conhecimento do tiroteio quando escutou pessoas falando sobre o ataque.
Ele correu debaixo de chuva até uma área reservada para os familiares, e um homem lhe disse que viu a mulher dele sair do edifício viva.
Yigal comemorou e deu pulos de alegria.
Mas, quando Dolores não apareceu, ele começou a ficar preocupado.
Na noite do sábado, a polícia bateu à porta da sua casa para informá-lo de que a sua mulher tinha sido identificada como uma das vítimas.
Na manhã do domingo, Yigal perguntava-se se encontraria nas roupas dela, no hospital, o medalhão que o pai de Dolores dera de presente a ela. “Perdi tudo”, disse Yigal. “Ela é minha amiga, amante, parceira e mulher”.
As duas vítimas identificadas como sendo dos Estados Unidos trabalhavam na associação - King, 72, que tinha 17 netos, e Maria K.
Zobniw, 60.
As outras vítimas eram todas alunos: o casal haitiano, Marc Henry Bernard, 44, e Maria Sonia Bernard, 46; Li Guo, 47, da China; Hong Xiu Mao, 35, da China, Lan Ho, 39, do Vietnã, Hai Hong Zhong, 54, da China; Almir O.
Alves, 43, do Brasil; e Jiang Ling, 22, da China.
Na sexta-feira Zobniw não deveria estar na associação.
Filha de imigrantes ucranianos, Zobniw pretendia passar o dia assando bolos para a Páscoa.
Mas ela recebeu um telefonema solicitando auxílio com uma tradução, e saiu de carro.
Zobniw, que tinha quatro filhos, trabalhava na associação havia cinco anos, corrigindo o dever de casa dos imigrantes ucranianos e traduzindo certidões de nascimento.
Hayes, professor de Alves na associação, conta que o brasileiro era especialista em matemática.
Um sobrevivente disse a ela que Alves lançou uma cadeira contra Wong durante o ataque, tentando detê-lo. “Ele é um herói não reconhecido”, afirma Hayes.
Os Bernard tinham um filho na escola secundária e uma filha na escola primária, segundo vizinhos do apartamento deles em Endicott.
Bernard caminhava com as crianças até o ponto de ônibus todas as manhãs, e aguardava lá quando eles retornavam para casa.
No intervalo entre a partida e o retorno dos filhos ele fazia aulas na associação cívica, retornando para casa com cadernos preenchidos com lições, conta o zelador do prédio, Leroy Jackson.
Bernard havia sido demitido de um emprego em uma fábrica alguns meses antes.
A mulher dele trabalhava em um McDonald’s a alguns quarteirões de distância.
Mesmo assim, talvez devido à barreira da língua, os vizinhos sabiam pouca coisa a respeito deles. “Eu não sei o que eles desejavam”, conta Jackson. “Mas sei que eles eram aquele tipo de pessoa que a gente deseja ter neste país”.