Por Frederico Katz Esta nota contém a sugestão de uma medida para compor o repertório de enfrentamento da crise.
Trata-se de um mecanismo que faria com que os especuladores pagassem pelo menos uma fatia dos custos do desastre que muito os beneficiou.
Obviamente, a força conjunta deste grupo é muito grande, portanto, a proposta só teria alguma chance de sucesso se obtivesse largo apoio político.
Partilho da opinião que uma causa importante desta crise é a presença no mercado financeiro de um gigantesco volume de ‘papéis podres’.
Muitos destes papéis, que são similares a apostas em um Cassino, não têm valor intrínseco, nem são ancorados em bens existentes, sendo extremamente voláteis, seus resgates dependendo da continuidade da ciranda.
Esta fragilidade do mercado estava apenas à espera da criança que gritasse ‘O rei está nu’, para que a bolha estourasse.
A crise das hipotecas americanas o fez.
Deflagrada a crise, esta condição torna-se elemento bloqueador do trajeto para a recuperação.
Assim, enquanto esta questão não for devidamente enfrentada, e boa parte deste ‘lixo tóxico’ destruído, criando condições de recuperação de um clima de confiança nos mercados, é difícil que a crise seja superada.
A crise já se expandiu do setor financeiro para a economia real.
Portanto, faz–se necessária a atuação em pelo menos duas frentes.
A da extinção, ou minimização, das causas que deflagraram o processo, e outra, a da reanimação da economia real, assustada e contrita pelo desenrolar dos fatos.
No que diz respeito à segunda, já se vem aplicando tratamentos aprendidos pelas lições de crises passadas, destinados a agir contra a queda no nível de atividade.
Considerada a economia real em isolado, se isto fosse possível, estas e outras estratégias novas são adequadas e potencialmente capazes de repô-la em andamento.
Mas não é o que esta acontecendo.
O problema é que a Confiança precisa ser restabelecida também no mercado financeiro.
Em Davos, poucos dias atrás, Ben Bernanke, presidente do FED, declarou que medidas fiscais isoladamente não seriam suficientes para superar a crise, devendo ser adicionadas medidas para limpar (sic) o sistema bancário Americano.
Na ocasião, sugeriu três possíveis caminhos: a compra pelo setor público destes papéis, um segundo caminho envolvendo garantias do Governo para os mesmos, elegantemente chamado de securitização, e o terceiro que seria a instituição e capitalização dos chamados “bad banks”, que absorveriam estes papeis.
Há uma questão ética em pauta, porque parte destas operações representa a socialização de prejuízos.
Mais, os ‘papeis podres’ que o publico sabe que também se encontram no caixa de muitas das empresas de fora do setor financeiro, não seriam tratados, as bolsas certamente não sossegariam e dificilmente se conseguiria a restauração da Confiança.
Outra questão muito séria é que há duvida se os Estados Nacionais, mesmo o dos EUA, teriam capacidade de executar operações globais deste tipo, já que as mesmas demandariam enormes volumes de recursos.
Até agora, as Letras do Tesouro dos EUA, tem servido como o principal componente de reserva de valor para todo o mundo.
Estas declarações de Bernanke fizeram com que os preços das mesmas caíssem, pois, estas medidas implicariam num enorme aumento da divida do Tesouro.
Abalar a credibilidade da principal reserva de valor é, certamente, um efeito colateral indesejável.
O que propomos, alternativamente, é que os ‘papeis podres’ sejam levados a desaparecer de outra forma.
Estimulando os especuladores a declararem a sua posse e, ou, a destruírem-nos.
Perderiam alguns anéis, conservariam outros, e o mais importante, manteriam os dedos.
Isto se faria através do lançamento de um Programa de Certificação de Empresas.
Para executar esta certificação seriam criados órgãos reguladores, ou aproveitadas estruturas que porventura já existam, e também novas estruturas públicas ou privadas, todas devidamente controladas.
Estes órgãos receberiam para analise as contas das empresas, abertas todas as caixas pretas, para atestar a ausência de ‘Micos’ e fazer uma classificação dos haveres destacando, se existissem, os ‘papeis podres’.
A empresa, assim o desejando, tornaria o resultado público.
Se o mesmo fosse bom, os fornecedores, financiadores e investidores passariam a temer menos pelo destino desta empresa, o que lhe proporcionaria melhores condições de operação.
Esta submissão seria espontânea e as empresas que não o desejassem ficariam a margem da iniciativa.
Claro que o Governo só continuaria apoiando e financiando empresas que aderissem ao programa.
Nada mais justo, dada a sua obrigação de zelar pelos recursos públicos.
Pode se prever que a adesão progressiva e rapidamente abrangeria grande número de empresas, até porque agiria como estimulo uma espécie de ‘efeito gangorra’.
Naturalmente, os fundos de pensão onde o poder público tem voz, passariam a só investir em empresas certificadas.
Antes, ou depois, de se submeter a analise, as empresas que detêm ‘papeis podres’, se desejassem, os retirariam de seus haveres, ou declarariam sua presença entre os haveres e o mercado calcularia seu valor liquido.
Isto não é inusitado, a Votorantin, por exemplo, fez uma operação como esta nos primeiros dias da crise.
Em relação à classificação dos haveres, a mesma pode ser muito complexa.
Sua formulação final deve ser construída por especialistas.
O ponto fundamental, porém, é que haja concentração no elemento essencial para este momento, a detecção da existência de papeis podres e de sua dimensão relativa.
O que há de novo na proposta deste artigo, é que esta limpeza seria auto infligida e estimulada pelo Estado.
A estratégia geral recomendada seria então uma ação simultânea na frente da economia real, com programas do tipo do New Deal, e na do setor financeiro com o estabelecimento de um sistema de certificação.
PS: Frederico Katz é economista, bolsista do IPEA e integra o Conselho Estadual de Desenvolvimento Econômico e Social de Pernambuco (CEDES/PE).