Por Carlos Alberto Fernandes As suas investigações sobre as falcatruas de Daniel Dantas mexeram com a República.
Tingiram de suspeitas seus três pilares institucionais, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
Atingiram dois governos antagônicos: o de FHC e o de Lula.
A ordem agora parece ser de desconstrução do seu trabalho e da sua imagem.
A mídia e os poderes da República o levaram do patamar de acusador à cadeira de réu.
Todavia, se não fora ele e seus erros, pouco se saberia a respeito das vicissitudes desse crime.
O episódio da investigação Satiagraha poderá ser considerado o ponto mais alto da exaltação heróica do delegado Protógenes.
As falhas naturais do seu modo de agir, parecem jamais ser caminho de fuga ao destino a que se impôs como servidor e como cidadão.
O que se teme é que por maior que seja a força do sonho e do ideal de justiça, estes acabam por esgotar-se e consumir-se, quando não encontram no mundo real nenhum apoio.
Transfigurado em novo Dom Quixote, o delegado precisaria de um Sancho Pança para trazê-lo à realidade das injunções terrenas.
Alerta nesse sentido, foi feito pelo presidente do Supremo que, apesar da boçalidade, é prático e tem bom senso. É uma pena que esse par não possa ser constituído ligando o idealismo e a estreiteza do comodismo burguês.
Se procurou cumprir estritamente o seu dever, o delegado vê-se agora, desnorteado.
Todos estão contra ele; inclusive, - alimentada claramente por forças ocultas - a própria instituição a que serve profissionalmente.
Mesmo assim, como o fidalgo da Mancha, teima em aceitar que o mundo não é feito a medida do nosso ideal.
Escudado no sonho de acabar com a impunidade, não mostra temeridade.
Suas certezas inibem qualquer ação intimidatória.
Sua fé nessa batalha parece deixá-lo consciente da possibilidade de remover montanhas.
Parece nem ligar para os riscos de suas ações, uma vez que seu heroísmo parece medieval diante dos interesses escusos e abusivos do poder contemporâneo.
Tal como o protagonista de Miguel de Cervantes o delegado andante percorre o país com palestras e exposições sobre os seus sonhos de justiça.
De espírito aberto e rasgos de lucidez, ei-lo pelas estradas da vida a buscar a reparação de injustiças e a desfazer agravos.
Vítima de seus próprios erros, cada vez mais se enrosca com as palavras e entra em choque com a realidade do mundo dos homens e tome pancada.
De acordo com a perspectiva de seu sonho justifica, obstinadamente, todas as suas ações.
Mostra a perfeita encarnação do idealismo platônico, pouco importando o aspecto objetivo das coisas.
Apesar dos excessos e dos percalços de legalidade do seu trabalho, o seu comportamento é o melhor daquilo que se deseja num mundo de justiça tardia, de linearidade obtusa e de limitada postura ética dos poderes côncavo e convexo.
Apesar de não estarmos nos tempos das cavalarias e das estórias de trancoso, a história do nosso Dom Quixote é didática e elucidativa e, por incrível que pareça, deve ter características de realidade.
Todavia, ela só não se completa porque faltou ao delegado Protógenes a figura de um Sancho para trazer um pouco de materialidade à ação de um profissional voluntarioso que, apesar da paranóia justificável, acreditou que os espaços de poder a quem servia eram amplos e irrestritos, como em tempos não muito distantes.
Carlos Alberto Fernandes – economista e professor da UFRPE e-mail: cfernandes.eco@hotmail.com