Diálogos interceptados pela PF inicam Doações ilegais Na Folha de São Paulo A transcrição de conversas telefônicas de diretores da Camargo Corrêa aponta que a empreiteira fez doações ilegais a partidos políticos, segundo interpretação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.

Há mais de 30 conversas em que os executivos falam de contribuições a partidos “por dentro” e “por fora” e de entrega de dinheiro “em espécie” Em setembro do ano passado, às vésperas das eleições municipais, um diretor da empreiteira, Pietro Giavina Bianchi, trava o seguinte diálogo com uma pessoa chamada Marcelo: Pietro: “Sim… mas o que que é, campanha política?” Marcelo: “É…” Pietro: “Por dentro?” Marcelo: “Não…”.

Noutra conversa, de janeiro deste ano, o mesmo Pietro conversa com um diretor da empreiteira chamado Fernando Dias Gomes.

Ele explica que a lista com as doações está “numa pasta de eleições”: “E lá tem todos os caras que foram pagos” (…), “inclusive a colaboração oficial”.

E conclui: “Tem as duas, né?

Tem as duas, tá?”.

A procuradora Karen Kahn diz que as conversas revelam “indícios robustos” da existência de doações legais e ilegais.

Quatro diretores da Camargo Corrêa foram presos anteontem pela PF na Operação Castelo de Areia, sob a suspeita de terem praticado os seguintes crimes: remessa ilegal de dólares, superfaturamento de obras públicas e lavagem de dinheiro.

A PF encontrou menções de doações a PSDB, DEM, PPS, PSB, PDT, PP e PMDB.

No diálogo sobre as duas listas, o diretor Dias Gomes diz que ligou porque o deputado federal José Carlos Aleluia (DEM-BA) quer “saber se foi pago alguma coisa no passado”. “Mas pagamos, não?”, pergunta Pietro.

Não há doação oficial da empreiteira para Aleluia.

O deputado diz jamais ter recebido qualquer doação ilegal.

A Camargo Corrêa não quis comentar os diálogos ontem.

Pietro é o mais frequente interlocutor nas conversas sobre doações.

Em janeiro deste ano, ele diz a Dias Gomes: “(…) porque tudo isso é por dentro, né, não tem nenhum problema de poder falar isso no telefone”.

O grupo não prima pela organização, como nota o próprio Pietro.

Ao relatar para Dárcio Brunato, também diretor da Camargo Corrêa, que o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, teria afirmado “que não recebeu dinheiro nenhum”, Pietro desabafa: “(…) puta zona tá isso lá”.

Pietro detalha a Fernando Arruda Botelho, diretor da empreiteira, a doação via Fiesp: “Foi dado o dinheiro”?, pergunta Arruda Botelho. “Foi… foi passado lá pro pessoal de Brasília… contataram com o menino lá da Fiesp… e eles dividiram lá… mandaram uma parte para o PSDB, outra parte para o PS… tem uma distribuição que fizeram em Brasília…” A Fiesp diz que é uma entidade apolítica, que não intermedeia doações a políticos.

Num diálogo sobre o envio de dinheiro para Recife, onde a empreiteira integra o consórcio que constrói a Refinaria do Nordeste para a Petrobras, os executivos reclamam da dificuldade de mandar “dinheiro em espécie” para lá.

O Tribunal de Contas da União apontou superfaturamento na obra.

Segurança com as conversas é uma obsessão entre os diretores da Camargo Corrêa.

Eles recorrem a telefones públicos, usam Skype (telefonia via internet), telefone criptografado (com códigos que impediria escutas), associado a “roaming” (fora da área original).

Os códigos usados para as remessas internacionais remetem a um zoológico.

Em vez de citar nomes dos que vão receber as remessas, os executivos e doleiros falam em nomes de animais.

Arruda Botelho pergunta, em setembro, ao suposto doleiro Kurt Paul Pickel: “Tá bom, e você recebeu o negócio do canguru?”.

Noutra conversa, falam de “Austrália” e “1.200 milhas” -possível referência a valores.

Também são citados camelo, cachorro e vaca.

Kurt parece brincar com o código numa conversa com Pietro em que parece pedir dinheiro à empreiteira: “Professor, o canarinho aqui está precisando de alpiste”.