Do caderno de JC Foram 20 anos dedicados exclusivamente aos adolescentes em situação de risco, grande parte deles infratores da comunidade de Socorro, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.

A exemplar missão do padre espanhol Ramiro Ludeño y Amigo, 64 anos, no Brasil desde 1974, foi estupidamente interrompida por um jovem de 15 anos.

Justamente com o mesmo perfil daqueles que o religioso estava acostumado a salvar.

Preso na manhã de ontem quando deixava a Escola Estadual José Mariano Teixeira, no bairro de Areias, na Zona Oeste do Recife, bem perto do local do assassinato, o adolescente, dependende de cocaína e maconha, confessou o crime.

Disse que tentou realizar um assalto quando o padre manobrava a Hilux no cruzamento das Avenidas Doutor Villas Boas e Aurélio Maia.

Contou que, quando o religioso tocou no câmbio do veículo, pensou que ele iria reagir.

O assassinato ocorreu às 20h da quinta-feira.

O garoto afirmou que ficou assustado. “Ele nos disse que não sabia manusear direito a arma de fabricação caseira (espingarda 12) e que o tiro foi acidental.

Como ele é bem magro, após o disparo, chegou a cair no chão”, informou o delegado-titular do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), Joselito Amaral.

O assaltou tinha um motivo: o adolescente queria dinheiro para pagar dívidas de droga.

Em depoimento na sede do Departamento de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), informou que, além de usuário, era também traficante. “Ele nunca teve passagem pela polícia”, declarou Joselito Amaral.

A delegada Silvana Lellis conduziu as investigações.

Sentado no banco traseiro da viatura da Polícia Militar, o adolescente disse que não queria falar sobre o crime. “Quero falar sobre isso não.” A Polícia Civil informou que o infrator morava com os pais no bairro de Areias. “Os familiares disseram que não sabiam que ele praticava assaltos.” Após o disparo, fugiu a pé sem levar nada.

Foi para casa normalmente e, na manhã seguinte, estava na escola. “Ele seguiu a rotina por acreditar que não seria pego.” Depois da prisão, duas mulheres que estavam no carro no momento do crime reconheceram o jovem como sendo o assassino.

Ele utilizou uma mochila escolar azul para esconder a espingarda.

O único tiro foi disparado na altura do ombro e acabou transfixando o tórax do religioso.

Encaminhado a um hospital particular do Recife, padre Ramiro não resistiu aos ferimentos.

Morreu antes mesmo de chegar à unidade de saúde.

Logo após o homicídio, equipes das Polícias Civil e Militar iniciaram investigações no local.

Inicialmente, a hipótese mais provável era que se tratava de um crime de mando em razão do trabalho social desenvolvido pelo padre. “A gente acreditava que poderia ter alguma vinculação com as atividades desempenhadas por ele.

Descobrimos que o padre trabalhava com adolescentes infratores”, explicou o delegado.

No entanto, na manhã de ontem, após receber uma informação de que o jovem infrator estava assistindo aula na Escola Estadual José Mariano Teixeira, no bairro de Areias, policiais do serviço reservado montaram uma operação para prendê-lo.

Vários policiais à paisana entraram no colégio, por volta das 10h, e, com ajuda de um informante, identificarem o jovem.

Do lado de fora, uma equipe da PM esperou o sinal dos outros policiais e, no momento em que o adolescente passou pelo portão, a prisão foi realizada.

Ele não esboçou nenhuma reação.

A arma artesanal só foi localizada pela polícia no fim da tarde de ontem.

Estava escondida na residência onde o garoto morava com os pais.

A polícia não quis informar a origem da arma para não atrapalhar as investigações. “Outras pessoas podem ser presas”, assegurou o delegado.

Padre Ramiro Ludeña y Amigo era natural de Toledo, na Espanha.

Chegou ao Brasil em 1974.

Há 20 anos, fundou a Ong Movimento de Apoio aos Meninos de Rua de Jaboatão dos Guararapes (Mamer), que realiza trabalho de capacitação e empregabilidade com crianças e adolescentes em situação de risco na comunidade de Socorro.

O religioso era vigário no município de Ribeirão, na Zona da Mata Sul de Pernambuco.

Todos os fins de semana, ele celebrava missas em comunidades pobres da região.