Por José Ricardo de Souza “Tenho pena do nosso arcebispo, que não conseguiu ser misericordioso com o sofrimento de uma criança inocente, desnutrida, franzina, em risco de vida, que sofre violência desde os seus seis anos”.
Rivaldo Mendes de Albuquerque, médico.
Como sou professor de História, posso receber vocês com esta saudação: bem-vindos à Idade Média!
Um Arcebispo grita aos quatro ventos: “a lei de Deus está acima de qualquer lei humana”. É a volta do Tribunal do Santo Ofício, conhecido como Santa Inquisição ?
Como estamos em pleno século XXI e soaria mal queimar hereges em praça pública, como fizeram nos séculos passados, a Igreja se vale de novos mecanismos para aplicar velhas punições.
A ordem de Dom José (impiedoso) Sobrinho é excomungar.
Expulsar da Igreja os médicos, a família, e quem foi a favor do aborto dos gêmeos de uma menina de apenas nove anos…
De volta à Idade Média, quero lembrar que a excomunhão era uma forma de maldição imposta pelo Papa e pelos Bispos.
Não foi à toa que Henrique IV do Sacro Império Romano Germânico teve que ficar três dias e três noites na porta do Castelo de Canossa, de joelhos, com frio e neve, com uma túnica de lã e descalço para suplicar que o papa Gregório VII revogasse a sua excomunhão (1077).
Seu pecado: discordar do papa.
Ser fiel católico em tempos de Idade média tem seu preço: a obediência cega, alienada, absurda aos preceitos das Leis Canônicas.
Casar pela segunda vez, não pode!
Usar camisinha, pílula ou contraceptivo, não pode!
Questionar a autoridade papal, não pode!
Abortar, mesmo em caso de estupro ou risco de vida para a mãe da criança, não pode!
A Igreja Católica é cheia de regras, sem exceções…
O discurso do Bispo é muito parecido ideologicamente com aquele dos anos 70 que dizia: Brasil: Ame-o ou Deixe-o!
Dom José Cardoso bem que poderia fazer algo parecido, como por exemplo: Igreja: se não quiser obedecer, caía fora.
Afinal, o que não faltam são opções nesse verdadeiro fest-food da fé, tem de todos os gêneros, para todos os gostos.
Até que ponto o aborto é pior do que um estupro ?
A meu ver, nenhum homem é capaz de avaliar o que passa uma mulher nas mãos de um estuprador.
Mas a Idade Média de dom José é branda com os estupradores.
Eles podem comungar, desde que passem por uma confissãozinha fajuta e rezem algumas ave-marias.
Mas os médicos que salvaram a vida de uma menina franzina e subnutrida, estes estão afastados do banquete espiritual da missa dominical.
Incoerências de uma Igreja que cada vez mais se afasta daqueles que mais dela precisam, que são os sofredores, principalmente, as vítimas de violência e exploração sexual.
As chamas da Inquisição parecem querer ressuscitar de seu limbo para assombrar as almas de médicos, jornalistas, escritores, políticos, e de quem se posicionou a favor da medicina, da ciência, da razão, enfim, quem teve a coragem de desafiar os desígnios (supostamente) divinos pregados pelo seu “representante” terreno Dom José, que se arvora do direito de incriminar quem lutou para salvar uma vida, mesmo sabendo que teria que sacrificar duas, ainda em formação.
Aos católicos de plantão, antes de ser também excomungado, gostaria de fazer algumas perguntas incomodas: 1° Quando essa menina morresse (era o que ia acabar acontecendo) o que vocês iriam dizer para a sociedade ?
Que foi vontade de Deus ou negligência humana ? 2° Por que a Igreja Católica vem interferir num assunto que é de saúde pública como é o caso do aborto legal ?
Ou a Igreja esqueceu que o Estado brasileiro é laico ? 3° Pelo meu conhecimento de historiador (não sou teólogo, meu estudo é científico) quem escreveu a chamada Lei de Deus foram pessoas humanas, passíveis de erros. 4° Por que a Igreja não agiu com misericórdia com relação aos médicos e a mãe da menina ?
Não seria essa excomunhão uma condenação que pode ser legal, diante do Código Canônico, mas que não foi justa perante a opinião pública ?
Dom José chegou a comparar o neo-infanticídio (se é que podemos denominar aborto dessa forma) com o holocausto dos judeus durante a Segunda Guerra.
Ele apenas esqueceu de mencionar que a Igreja foi omissa em relação às perseguições dos judeus e que o próprio Vaticano flertou com o fascista Mussolini para conseguir a assinatura do Tratado de Latrão em 1929.
Os padres falam muito em “não matarás”, mas quem foi que condenou Joana D”Arc e Giordanno Bruno à fogueira, fora as centenas de judeus, homossexuais, deficientes mentais, pagãos e feiticeiros, hereges, etc. ?
Ai que saudades da Idade Média, bons tempos eram aqueles, deve pensar Dom José e seus seguidores.
Ainda bem que existem pessoas católicas, que usam o bom senso e que compartilham da minha opinião.
Solidarizo-me com os médicos do CISAM, vocês estão de parabéns por usarem a Medicina para salva uma vida indefesa, que foi precocemente violentada e posta em risco.
Não creio, nem quero crer, num Deus que usa da Lei para oprimir quem já nasceu numa situação de opressão.
Fico muito triste em ver a Igreja que faço parte retroceder de forma tão drástica para tempos medievais que não existem mais, a não ser nos manuais de História.
Que falta faz um Dom Hélder Câmara por aqui.
Ele saberia condenar o aborto, mas sem expor os médicos e a família da menina a uma situação vexatória como esta.
Termino, com a saudação que iniciei: bem-vindos à Idade Média.
E é Dom José Cardoso, Arcebispo de Olinda e Recife, quem vai dar a benção… ou não!.
PS.: se ser INTOLERANTE é ser CATÓLICO, eu prefiro ser apenas CRISTÃO.
PS:O autor é historiador, professor da rede pública estadual, escritor; membro da Academia de Letras e Artes da Cidade do Paulista.