MARINA NOVAES Na Folha Online O arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, afirmou nesta sexta-feira que o suspeito de ter estuprado uma menina de 9 anos em Alagoinha (a 230 km de Recife) não deve ser excomungado pela Igreja Católica.
Grávida de gêmeos, a vítima foi submetida a uma cirurgia para interromper a gravidez na última quarta-feira (4).
Após o aborto, médicos que participaram do procedimento e a mãe da menina foram excomungados.
O padrasto, que foi preso sob suspeita de ter estuprado a menina, confessou à polícia que abusava sexualmente dela e da irmã mais velha, de 14 anos, que possui problemas mentais, há cerca de três anos, afirma a polícia.
De acordo com o religioso, no entanto, para a Igreja Católica, o aborto é um “crime mais grave que o estupro”. “Não, absolutamente não [o padrasto não deve ser excomungado da Igreja Católica].
Não fui eu que excomunguei as pessoas envolvidas com o aborto.
O aborto é um crime que está previsto nas leis da Igreja, no código aprovado pelo papa.
Essa é a penalidade da Igreja”, afirmou Sobrinho, em entrevista à Folha Online. “Quem cometer estupro está cometendo um pecado gravíssimo, aqueles que cometem assaltos também, estão cometendo pecados gravíssimos, e a Igreja também os condena.
Mas, para estes pecados, a Igreja não prevê a excomunhão”, disse. “Quem cometeu o aborto é um crime mais grave ainda, porque é tirar a vida de alguém inocente, indefeso.” A decisão da arquidiocese causou polêmica entre ministros e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que criticou a atitude da Igreja. “Não é possível permitir que uma menina estuprada pelo padrasto tenha esse filho.
Até porque a menina que corria risco de morte.
Nesse aspecto, a medicina está mais correta que a Igreja”, afirmou hoje o presidente.
Segundo os médicos que atenderam a vítima, a menina poderia morrer caso a gravidez não fosse interrompida.
Para o arcebispo, os médicos deveriam ter se “esforçado” para garantir que ela não perdesse a vida –sem que a gestação fosse interrompida. “O quinto mandamento da Igreja é não matar.
Então, neste caso em que a mãe, a menina, estava correndo risco gravíssimo de perder a vida, a Igreja diz: deve se fazer todo o esforço possível para salvar a vida desta menina grávida.
Mas não se pode, para atender a essa finalidade, eliminar a vida de outros, duas vidas inocentes.
Os fins não justificam os meios”, disse.
Em entrevista publicada hoje na Folha, o médico Rivaldo Mendes de Albuquerque disse que o religioso não foi “misericordioso” com a menina. “Tenho pena do nosso arcebispo, que não conseguiu ser misericordioso com o sofrimento de uma criança inocente, desnutrida, franzina, em risco de vida, que sofre violência desde os seus seis anos”, afirmou o médico responsável pela cirurgia.
Excomunhão A excomunhão é a penalidade máxima prevista Igreja Católica.
Com ela, os penalizados ficam impedidos de participar de qualquer sacramento, como receber eucaristia e o casamento, por exemplo.
Contudo, o excomungado não está banido de participar de celebrações da Igreja, como missas.
De acordo com o arcebispo, caso os médicos e a mãe da menina mostrem “arrependimento” em relação ao aborto e peçam perdão, eles podem ser aceitos novamente na Igreja. “A excomunhão é uma censura medicinal, do ponto de vista espiritual.
E nós desejamos muito que eles [os médicos e a mãe] voltem o quanto antes”, disse.
Apesar da polêmica, Sobrinho diz que os fiéis “aplaudiram a decisão”, também apoiada, segundo o religioso, pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).
A assessoria da CNBB afirmou que o órgão não se pronunciará sobre o assunto por enquanto.
Em reportagem publicada hoje pelo jornal italiano “Corriere della Sera”, o chefe do departamento do Conselho Pontifício para a Família, do Vaticano, Gianfranco Grieco, afirmou que a decisão da Arquidiocese de Olinda e Recife foi correta. “É muito, muito delicado, mas a Igreja nunca pode trair o seu anúncio, que é defender a vida desde a concepção até a morte natural, mesmo em face de um drama humano tão forte como o da violência de uma criança”, disse Grieco.
A menina, que estava internada desde a última quarta-feira (4) devido ao aborto, recebeu alta médica nesta sexta-feira pela manhã.