Por Vandson Holanda Mary Ann Glendon, embaixatriz dos Estados Unidos ante a Itália, salientou em artigo publicado em L’Osservatore Romano como o laicismo fundamentalista que não admite a fé na vida pública ameaça seu país, e como isto termina sendo um atentado contra a chamada “laicidade positiva” e a liberdade das pessoas.
Além de fazer uma lembrança histórica de como nos Estados Unidos se viveu a partir do século XIX a relação entre Igreja e Estado, a embaixatriz alenta as pessoas a não guardar a sua fé no âmbito privado senão fazê-la parte de sua contribuição no debate público, como uma maneira explícita de ajudar a viver e forjar a liberdade (sem subterfúgios ideológicos).
Após brilhantemente discorrer sobre as contradições entre a defesa das liberdades individuais e coletivas, a construção da identidade cultural de sua nação e um laicismo que quer eliminar todo o vestígio de religiosidade das instituições e das opiniões públicas das pessoas, Glendon cita o professor Philip Hamburger (autor de um livro magistral sobre a história da liberdade religiosa nos Estados Unidos): “A primeira emenda (da Constituição dos Estados Unidos), originalmente pensada para limitar ao governo, foi cada vez mais interpretada pela Corte para limitar a religião e confiná-la à esfera privada”.
Esta interpretação diz “é apoiada em um conceito muito individualizante da liberdade e tem como efeito limitar a liberdade religiosa de muitas pessoas: pessoas para as que a comunidade de culto é importante”.
Outrossim, a repercussão da entrevista que o arcebispo de Olinda e Recife Dom José Cardoso Sobrinho concedeu à TV Globo Nordeste nesta primeira semana de março sobre a situação lamentável em que se encontrava uma criança de nove anos de idade prestes a realizar um aborto induzido de outras duas crianças de quatro meses de vida uterina evidencia que no Brasil, assim como nos Estados Unidos (com as devidas proporções culturais) é difícil o discernimento entre laicidade e laicismo.
Todavia, lá esta discussão parece está bem mais avançada e racional no que tange as liberdades individuais, o inclui as religiosas.
Sem esquecer o inegável sofrimento que a garota do interior do Estado está passando, qual seria o problema de um líder espiritual reafirmar publicamente o que diz a sua Instituição?
Deveria fazer como muitos políticos que adéquam o discurso a cada situação para ser popular (ou populista)?
Numa sociedade plural, democrática e livre ninguém é obrigado a aceitar o que diz a Igreja Católica sobre determinados temas, mas dentro deste mesmo aspecto de pluralidade democrática e liberdade não deveria ser considerado problema a manifestação (obvia) de uma autoridade religiosa.
Isso não quer dizer que a Igreja não deva aceitar críticas, até por que ela mesma se diz santa e pecadora.
O problema está quando as críticas são feitas a partir de fatos distorcidos para fortalecer argumentos ideológicos defendidos por quem a critica (às vezes inconscientemente, por conta da propagação de fatos diferentes da verdade ou sem todas as informações devidas).
Neste contexto, será então que países como Cuba são exemplos para Estados laicos?
Com sabemos a intolerância religiosa se vê mais forte nas pessoas e nações que não aceitam o contraditório.
O partido é único e o pensamento também.
A inteligência humana, a diversidade cultural e a própria ciência é quem mais perdem com isso!
Mínguam. É até entendível um jornalista ou comentarista fazer críticas ao caso da “excomunhão sem sentença”, pois se sabe que não tiveram acesso a todas as informações que levaram o arcebispo fazer o pronunciamento - o caso estava sendo tratado com muito cuidado.
Outra coisa é o Ministro da Saúde do Brasil utilizar a estrutura pública para repercutir e criticar a opinião óbvia do Arcebispo de Olinda e Recife sobre o tema.
Pois, ao contrário do que se possa pensar, o ministro não deve estar tão preocupado com o sofrimento da garota estuprada pelo padrasto, mas sim em reafirmar o que costuma fazer com maestria midiática: reduzir às sacristias a opinião da Igreja Católica sobre temas que ele discorda.
A Igreja criticada por Temporão é a mesma que, com bastante independência, contesta o clientelismo, o corporativismo e a ineficiência do Sistema Único de Saúde pelo Brasil afora sem as amarras que muitas organizações têm a partir de seus vínculos financeiros e políticos com o Governo.
Lamentavelmente a retórica do Ministro da Saúde é propagar que o Estado brasileiro só será laico quando a Igreja disser amém ao o que Governo dele faz.
Ele deve ter motivos fortes para isso …
PS: Vandson Holanda é biomédico, coordenador da Pastoral da Saúde da Arquidiocese de Olinda e Recife e Secretário do Instituto Nacional de Biomedicina.