Por Miguel Sales Em face do que fora publicado no Jornal do Commercio de 14.02.2009, com o título Miséria ofusca cartão-postal, abordando, numa crítica construtiva, o fato de o nosso município vir sofrendo um processo de favelização, apesar dele, nos últimos anos, ter sido o que mais recebeu recursos federais e estaduais, a Prefeitura de Ipojuca, em vez de solucionar a questão da moradia de nossa gente, solicitou providências do Ibama no sentido de retirar os moradores da área do manguezal de Serrambi.

O mesmo, pelo teor da matéria, pode ocorrer como os moradores de Salinas e Pantanal e da Vila dos Pescadores (esta em Maracaípe), conforme tentativas anteriores, desde administrações passadas, e que vem perdurando, como na atual.

Lembro, que o ano passado, o JC, em seu Giro Metropolitano, mostrou de forma contundente o descaso urbanístico que há tanto em Camela como Serrambi, quando esta poderia ser tão atrativa turisticamente como a praia de Porto de Galinhas.

Não se defende a construção de moradias em qualquer tipo de mangue, embora o próprio poder público derrube quando se trata de construir rodovia para a acesso a mais um resort em área que poderia ter um destino saudável e útil para os ipojucanos, como o caso do chamado terreno da “Casa do Governador”, que na verdade pertence ao IPA e não se sabe, por exemplo, se o trecho onde vivem os moradores da Vila do Campo (com quem temos nos reunido), pertence àquele.

Porém, em relação a este últimos, o Estado já pediu judicialmente a demolição de suas casas, a fim de facilitar a negociação com o grupo Português, que ali pretende construir um mega resort, o que não interessa à população local, pois cada vez mais fica mais difícil o acesso à praia na orla de Ipojuca.

Se continuar como estar, seja de Ipojuca, do Recife ou de qualquer outro lugar, o banho de mar vai ficar reservado apenas aos hóspedes desse ou daquele hotel ou resort.

Quando pela Lei do Gerenciamento Costeiro, a praia é um bem de uso comum do povo, sendo proibido a negação de seu acesso em qualquer sentido ou direção.

E como se não bastasse, reforçando esse direito, a Lei de Crimes Ambientais tipifica como crime tal negação.

Porém, na realidade, a lei é culta e bela, mais não se aplica aos que não tiveram a sina de nascer na casta dos privilegiados.

Derruba-se densamente mangue para as indústrias de Suape, desabrigando antigos moradores da Ilha de Tatuoca, quando a própria direção de Suape declarou, documentalmente ao Ministério Público, que só iria utilizar menos de 100 ha. dos 600 ha. da ilha, ficando o restante para os seus moradores nativos, inclusive, com garantia de ocupação, mas, infelizmente nem uma coisa ou outra, vem ocorrendo.

Ao contrário, há notícias que seguranças de Suape derrubaram as casas de antigos posseiros, como noticiados nos jornais.

Para essas construções irregulares, do ponto de vista ambiental, silente é o Ibama e o CPRH, como no caso de Toquinho, onde se privatiza uma praia inteira e se soterra trechos não só do mangue, mas igualmente do mar.

Muitas outras áreas de nossa orla também estão privatizados, situação que constitui, ademais, também crime ambiental, porém o Ibama nada faz quando se trata de peixe graúdo, com tráfego de influência aqui e acolá.

Em Serrambi, o Hotel Venta Clube, ex Intermares, permanece privatizando a praia e se adentrando para o mar, tendo, inclusive, o seu dono e ex-servidores do Ibama, pela conivência, respondido a processo penal, embora a irregularidade ambiental continue a mesma.

Quando se trata de hotel ou de outro empreendimento pesado que agride ao Meio Ambiente, não há nenhuma providência da Prefeitura, ao contrário, são beneficiadas com isenção de tributos, geralmente causando evasão de receita, a que muito ajudaria a minimizar as necessidades dos mais carentes: que não se resolve com cestas-basicas com destino e título eleitoral marcado em véspera de eleição.

A própria Prefeitura no passado, na gestão de Carlos Santana, vendeu áreas das praças públicas em Porto de Galinhas, e a atual com bem mais recursos, não faz o dever de casa que, entre outros deveria cuidar do saneamento básico (esgoto, água encanada, tratamento do lixo etc.) e, evidentemente, da questão da moradia de sua população, num município que possui proporcionalmente (e em breve em número absoluto) a maior receita do Estado e, ainda é, hoje, beneficiada com uma diminuta população de aproximadamente 80 mil habitantes.

Camaragibe, por exemplo, dez vezes menor que Ipojuca, tem quase o dobro desses habitantes.

As terras de Ipojuca basicamente possuem três donos: a Usina Salgado, a Usina Ipojuca e os herdeiros da família de Armando Brito, onde fica o cinturão mais nobre que vai da praia da Gamboa (junto de Suape aos limites de Maracaípe).

As demais, da orla marítima, geralmente com trechos privatizados, como as citadas, pertencem a grandes empresários, como os que residem em Toquinho, Enseadinha e a orla nobre Porto de Galinhas e de Serrambi.

No passado, não tão distante, toda a orla de Ipojuca (a maior também dos municípios da RMR, com cerca de 31 km de extensão), era ocupada por nativos (pescadores, jangadeiros, gente do povo), que aos poucos foram sendo tangidos para longe da beira-mar, terminando, quando não eles, os seus descendentes, tendo que disputar espaço de sobrevivência nas áreas de mangue, disputando a sorte com os caranguejos, como outrora já alertava o nosso imortal Josué de Castro.

Mas os caranguejos, aos poucos, foram tangidos pela poluição, assim como outros frutos do rio e do mar, que antes era abundante na região, também a maior área de manguezal do estado, que teve a sua foz inteiramente soterrada durante a construção da Termopernambuco, uma das fortes empresas de Suape A questão da moradia em Ipojuca não é resolvida por mero descaso.

Pois, desde 1991 determina a Lei Orgânica Municipal que 5% da receita anual do município deve se destinar à desapropriação de terras a fim de se construir moradia para a população de baixa renda, mas isso nunca foi feito.

Se Calcularmos essa dívida habitacional e social da Prefeitura, teríamos 90% do total da sua atual receita: valor que daria para construir casa de qualidade, com saneamento básico, para todos os carentes de moradia, a qual é um requisito essencial para a dignidade da pessoa humana, conforme estabelece a nossa Constituição da República.

Afora tal montante, verba para Ipojuca, quer puxada em razão dos empreendimentos de Suape ou pela expansão do Turismo de Porto de Galinhas, nunca faltou de ir aos cofres da Prefeitura.

Porém esta geralmente não presta contas e nem realiza as obras, além dos desvios que se noticia. É por isso, que apesar da derrama de dinheiro gasto com a Gautama, da liberação de verbas de diversos ministérios, inclusive da Funasa, a tão decantada praia permanece sem um palmo de esgoto, quando tal obra pelo calendário oficial era para ser concluída há mais de oito anos.

Em face do que vem ocorrendo em Serrambi, com a ameaça de ocorrência em outras localidades habitadas por nativos e antigos moradores, estes se reuniram na última quarta-feira de cinza, e resolveram relatar os fatos e pedir (através de um abaixo-assinado, que se continua coletando as assinaturas), providências às autoridades competentes para evitar o indesejável despejo e demolição de suas moradas, em razão de não terem eles um outro lugar para morar. À unanimidade, todos aceitam ser relocados em outras áreas de entorno, longe do mangue, desde que devidamente abrigados em algum conjunto habitacional a ser construído nas suas respectivas localidades pela Prefeitura de Ipojuca, com o dinheiro que ela tem e deve à sua população carente.

Se o Ibama, o GRPU, a Prefeitura, quando não faz vista grossa, pode esperar que os poderosos, de forma grave e sem necessidade, cessem de realizar construções ilegais dentro do próprio mar, por que não aguardar, aí com razão, ante o estado de necessidade, que os realmente sem alternativa de moradia só desocupem as seus parcas moradias quando lhes forem concedidas outras mais habitáveis a quem têm direito?

Acreditar na sensibilidade humana é preciso!

Ou ao menos, fazer valer um pouco do que apregoa a nossa Lei Maior em suas primeiras palavras, que a lei é para todos, que todos são iguais perante ela e que constitui, entre outros, objetivo fundamental de nossa República tratar as pessoas com dignidade humana, e esta, no mínimo, prescinde de moradia, sobretudo quando não se falta meios financeiros para sua concretização, como é o caso de Ipojuca.

PS: Professor de direito e promotor de Justiça aposentado