O assunto da contratação de Jaboatão é recorrente e foi tema de artigo de Claudio de Moura Castro na revista Veja de 25 de fevereiro de 2004.
Veja o que saiu na Veja: A ilegalidade virtuosa “Praticamente todos os professores de universidades federais das áreas profissionais e aplicadas estão fazendo algum tipo de bico.
São poucos os que respeitam seu impedimento legal de fazer outros trabalhos” Burla a lei o professor de engenharia civil de uma universidade federal contratado em tempo integral e com dedicação exclusiva que também trabalha em uma empresa construtora.
O arquiteto, no mesmo regime, tem um escritório privado onde projeta edifícios.
O médico trabalha em um seguro privado de saúde.
O engenheiro metalúrgico dá assessoria técnica a uma siderúrgica.
O professor de educação física é técnico de voleibol de um time local.
O professor de administração trabalha em uma multinacional.
O de informática dá assessoria a uma empresa na instalação de redes.
O professor de direito trabalhista opera em um escritório, representando empresas.
Esses são exemplos de burla da dedicação exclusiva, que não permite aos professores nesse regime aceitar outros trabalhos fora da universidade.
Mas não são exemplos isolados.
Praticamente todos os professores das áreas profissionais e aplicadas estão fazendo algum bico, consultoria ou têm também empregos sólidos fora da universidade.
Dentre os melhores mestres, são poucos os que respeitam seu impedimento legal de fazer outros trabalhos.
Mas está começando um movimento de moralização.
Alguns cruzados do Ministério Público estão denunciando os abusos.
Quem sabe a moda pega e conseguiremos eliminar todos ou quase todos os que descumprem o regime de dedicação exclusiva.
Vitória, dirão alguns.
Mais provavelmente uma tragédia para nossa educação profissional.
Imaginem se os futuros projetistas de estrutura aprenderem seu ofício com quem sempre cumpriu o tempo integral e, portanto, nunca construiu uma só casa.
Ou os futuros arquitetos, alunos de quem não projeta mais do que a casinha de seu cachorro.
Ou os engenheiros metalúrgicos, discípulos de quem jamais viu um alto-forno.
Ou o aluno do professor de educação física que só conhece práticas desportivas de ler nos livros.
Ou o administrador, aluno de quem jamais trabalhou em empresas “de verdade”.
Ou o informático, cujo professor escreve papers, mas não sabe do mundo real.
Ou o advogado que aprendeu práticas jurídicas com quem não freqüentava os tribunais.
Nossa universidade pública é vítima dos bem-intencionados e dos arrogantes, cuja produção legiferante foi concebida para as áreas científicas.
A idéia de colocar quase todos os professores em tempo integral e dedicação exclusiva é ótima para a física, a biologia, a filosofia e muitas outras ciências clássicas, em que o produto mais nobre é uma publicação e o local de trabalho é um laboratório ou uma biblioteca.
Esqueceram-se de que nas áreas profissionais e aplicadas a competência e a criatividade que mais contam não se geram dentro dos muros da universidade, mas sim no mundo real.
A dedicação exclusiva para os professores de disciplinas aplicadas lhes tira a oportunidade de conviver onde praticam o que irão ensinar.
Alguns terão tido experiências profissionais no passado, mas logo estarão desatualizados.
Note-se que um professor em regime de quarenta horas, mesmo que queira, está legalmente impedido de trabalhar mais do que oito horas por dia – a não ser que se disponha a fazer caridade.
Visto de outro ângulo, cada cabeça mais bem educada – e não são tantas – deixaria de produzir para o país todas as horas adicionais que sua energia permite.
Há inúmeros abusos.
E há saídas legais, mas essas são acanhadas e sujeitas a um regime tributário muito desfavorável.
Na prática, restam aos professores das disciplinas profissionais duas alternativas.
Ou burlam a lei, ou ficam sem a experiência prática essencial para transmitir a seus alunos.
Contribuindo para a solidez e a beleza de nossos edifícios e para a competência de nossos profissionais, os professores em dedicação exclusiva burlam a lei – discreta ou ostensivamente.
Que sorte a nossa!
Dada a contumaz incapacidade nacional para produzir regras sadias para as universidades federais, será que o pior cenário possível não seria o êxito dos cruzados que tentam coibir os abusos no cumprimento da dedicação exclusiva nas universidades federais?
Claudio de Moura Castro é economista