Prezado Jamildo.
Sou servidor da ATI, e participei, durante a tarde da última sexta-feira no Recife Antigo, da confraternização do bloco carnavalesco Arromba Folia, dos trabalhadores daquela agência estadual.
Chamo sua atenção para fato inusitado e arbitrário perpetrado pela DIRCON, órgão da Prefeitura do Recife, durante a concentração do bloco, que fica na frente do bar DownTown.
Em torno das 16h cerca de dez agentes do referido órgão fiscalizador, comandados pela fiscal Maria José, efetuaram busca e apreensão de refrigerantes e cervejas que seriam comercializados para os foliões do bloco.
Nada demais, se não fosse pelas razões que justificaram a apreensão das bebidas.
Durante o recolhimento da mercadoria, indaguei à referida fiscal que espécie de irregularidade ensejou a apreensão, no que fiquei pasmo ao obter a resposta: as bebidas não eram produzidas pela AMBEV, fato que contraria acordo entre a Prefeitura do Recife e aquela indústria de bebidas.
Disse mais: que os comerciantes que pagaram a taxa de licenciamento foram orientados a respeitar tal acordo, sob pena das bebidas “irregulares” serem apreendidas até o término do calendário carnavalesco.
Tentei argumentar com a fiscal que o lugar que estávamos a consumir bebidas era espaço público, onde a vontade de consumir bebidas lícitas não pode sofrer moderação do poder público.
Ao recordar minhas aulas de Direito, onde aprendi que qualquer ação estatal deve estar revestida de formalidades, perguntei à servidora onde estava o dispositivo legal que regulamentava a busca e apreensão nos termos que ela estava comunicando: “na DIRCON”, respondeu laconicamente.
Sem mais o que fazer, fiquei assistindo a conclusão da fiscalização, que levou todos os refrigerante e bebidas do bloco que não fossem da AMBEV (produtos da Coca Cola e Schincariol, em sua maioria).
Os produtos da indústria parceira da Prefeitura ficaram no bloco (a maior parte de Guaraná Antartica).
Estranhamente, a fiscalização municipal não apreendeu as várias garrafas de aguardente Pitú que estavam sendo utilizadas para preparar caipirinhas para os foliões, talvez por esta bebida não fazer parte do mix de produtos da AMBEV.
Também não vi a fiscal lavrar o auto de infração com o detalhamento da ação, onde deve ser especificada a quantidade de bebidas apreendidas, para efeito de devolução das mesmas no final do carnaval.
Acessei a legislação do Município no site da PCR e não encontrei nenhuma norma que outorgue a comercialização de bebidas exclusivamente para a AMBEV.
A Lei Municipal nº 17.168/05, que define multas a serem aplicadas às infrações às normas urbanísticas, não tipifica multa pecuniária ou sanção administrativa para a venda de produto que não seja da AMBEV.
Estudando o episódio, concluo que a Prefeitura do Recife, num único ato, excedeu seu poder de polícia, ao retirar de circulação bebidas lícitas, e pisoteou o Código de Defesa do Consumidor, ao restringir a liberdade dos consumidores.
Ato desta natureza está mais para o Estado Russo comunista, onde as pessoas consumiam apenas o que determinava o Leviatã.
Em nosso Estado Democrático de Direito, os cidadãos são livres e a ação estatal é cerceada pela lei, que sempre deve estar revestida de interesse público, sob pena de nulidade absoluta.
Existe um dogma clássico no Direito: o interesse público está acima do privado.
Pelos fatos aqui aduzidos, parece que é o contrário: o poder público municipal foi utilizado para policiar um acordo de natureza privada, este alegado verbalmente pela servidora municipal. É preciso anular essa e outras ações de fiscalização de bebidas que a Prefeitura do Recife pode estar executando no Carnaval, sob pena do folião ter cassada sua liberdade de comprar o refrigerante ou a cerveja que não seja da AMBEV, o que não é pouca coisa, em termos mercadológicos.
A propósito, caro Jamildo, nestas noites de momo no Recife Antigo, quando o frevo ferver e a sede chegar, peço a você e seus leitores que aproveitem o momento da compra de bebidas para identificar a reincidência do fato aqui relatado.
Peçam bebidas concorrentes da AMBEV nas barraquinhas licenciadas pela Prefeitura.
Se não conseguirem, tentem em outra barraca licenciada, enquanto a sede permitir.
Se no final das contas o incômodo só for aplacado com produto AMBEV, podemos concluir que o policiamento municipal é bem executado.
Por outro lado, se alguém encontrar à venda latinhas do refrigerante Coca-Cola, ou de latinhas da cerveja Nova-Schin, chamem um agente ou fiscal da DIRCON ao local para constatar que tipo de procedimento será adotado.