A coragem de Jarbas Por Terezinha Nunes O escritor dinamarquês Hans Christian Andersen criou uma excelente fábula para expressar a possibilidade de uma pessoa, com uma simples frase ou palavra, derrubar convicções, normas, e até promover o início de verdadeiras revoluções nos costumes.
A fábula, que conhecemos desde criancinhas, é a da criança que, em meio a uma multidão inebriada por um rei excessivamente cultivador da própria imagem, gritou: “ o rei está nu”.
E só então todos perceberam a imagem do monarca despido diante dos seus olhos.
Foi mais ou menos isso o que fez, com sua corajosa e irrespondível entrevista à revista Veja, o senador Jarbas Vasconcelos.
Todos sabem – salta aos olhos – a que nível chegou a corrupção na classe política mas, tantas foram as denúncias sem punição, agravadas pelo fato de o PT, ao assumir o poder, ter passado ao largo do assunto e até colocado os pés na lama - como fizeram alguns dos seus maiores líderes - que passaram a fazer uma certa “ cara de paisagem” diante dos fatos, cada vez mais contundentes.
Faltava alguém com a coragem pessoal de abrir os olhos da nação.
Foi isso o que Jarbas fez.
Com a mesma força com que enfrentou as baionetas da ditadura militar e o Congresso, se recusando, lá atrás, a votar em Tancredo Neves no colégio eleitoral, por defender eleições diretas, ele assumiu sozinho a função de proclamar, indiretamente, que todos – pelos menos os homens públicos em sua maioria – estavam ficando cegos e era preciso voltar a enxergar.
Na entrevista a Veja Jarbas soube também pautar suas declarações com um viés comunicativo perfeito.
Mirou inicialmente no seu próprio partido, o PMDB, que ele ajudou a fundar, que expressou o pensamento da sociedade brasileira na época do regime militar mas hoje está entregue, em grande parte, aos fisiológicos que não só foram, em parte, algozes da democracia, como se entregaram às benesses e à corrupção mais desenfreada proclamando, publicamente, que ficam em dois palanques para se servir melhor.
Depois do PMDB, ele falou do geral e atingiu o PT e o presidente Lula, que contribuem para esse alheamento da sociedade e agora praticam a mais deslavada compra de votos, como faziam os coronéis nos currais eleitorais nordestinos há mais de 50 anos.
Com sua popularidade nas alturas, adubada pelo bolsa família e pelo fisiologismo que lhe garante uma grande maioria no Congresso, Lula tem passado por cima da Constituição, usado a máquina para fazer campanha e, com medo de sua ira, todos acabam aceitando o que faz, inclusive o Poder Judiciário, a quem cabe fazer cumprir as normas legais do país.
Jarbas foi lá, pôs o dedo na ferida, mostrou que não tem receio da ira presidencial e vai ser difícil jogar o que ele disse debaixo do tapete.
O PMDB já se acovardou porque tem culpa no cartório.
Nem pediu nomes.
Afinal é possível identificar cada um dos que estão envergonhando a classe política.
O povo sabe disso e os tribunais estão abarrotados de processos.
Quanto ao presidente e o PT, no máximo vão fazer, como costumam, para procurar intimidar, o discurso ideológico.
Só que Jarbas formou a esquerda recente do Brasil.
Ele já era esquerda quando Lula se misturava com a direita no sindicalismo ao estilo norte-americano.
O presidente só declarou-se de esquerda depois.
E não o é.
Nada mais conservador e de direita do que saber da existência da corrupção e não combatê-la.