Por Augusto Nunes Parece mentira, mas existe a oposição parlamentar que o Brasil decente merece.
Chama-se Jarbas Vasconcelos, é senador pelo PMDB de Pernambuco, pertence à espécie em extinção dos políticos incorruptíveis e desde o começo da semana, como convém a raridades admiráveis, está exposto à visitação pública nas páginas amarelas da revista Veja.
Vale a pena conhecer alguém que vê as coisas como as coisas são (“O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo”).
Vale a pena conhecer alguém que conta o caso como o caso foi (“A maioria dos peemedebistas se especializou em manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral.
Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção”).
E que diz sem medo o que pensa. “Um governo que deixou a ética de lado, que não fez as reformas nem fez nada pela infraestrutura tem como bandeira o PAC, que é um amontoado de projetos velhos reunidos num pacote eleitoreiro.” Anestesiado pelo que o entrevistado chama de “banalização do escândalo”, rendido à “mediocridade que contamina”, feliz com um presidente que “não tem nenhum compromisso com as reformas ou com a ética”, o Brasil do faz-de-conta continuou esperando os pesquisadores do Sensus para informar que o coro dos contentes passou de 90%.
Decididos a não melindrar o adversário de estimação, os partidos de oposição se solidarizaram silenciosamente com os culpados.
E os acusados tiveram de engolir as verdades indesmentíveis.
Nascido e criado na Zona da Mata, Jarbas tinha 12 anos quando ouviu do pai, um funcionário público rude e reto, a frase que ficaria marcada a ferro na memória. “Nunca volte para casa com marcas de briga nem dizendo que achou dinheiro na rua.” O menino assimilou a lição pela metade: foi sempre irretocavelmente honesto, mas jamais fugiu de briga boa.
Na década de 1970, o deputado estadual que fundara o MDB pernambucano brigava pela ressurreição da democracia e contra a ditadura.
Aos 66 anos, briga pela restauração da ética, da moralidade e de outros valores revogados pela aliança dos fora-da-lei. “Os fatos!
Os fatos!”, resolveram cobrar jornalistas aparentemente alcançados pela epidemia de cegueira conveniente. “Os nomes!
Os nomes!”, exclamaram nas colunas de leitores alguns idiotas da objetividade. É só teclar as palavras “corrupção” e “partidos” nos sites de busca na internet, poderia ter sugerido Jarbas na entrevista coletiva em que reafirmou o que dissera à Veja.
Dispensara-se de acusações detalhadas, informou, por falta de espaço para tantas.
Caso continuem ofendidos, os que viram nas constatações feitas por Jarbas uma afronta sem fundamento a legendas imaculadas estão novamente convidados a buscar alívio na internet.
Os simpatizantes do PMDB podem digitar no Google nomes como Valdir Raupp, Renan Calheiros, Romero Jucá - ou apenas a sigla do partido.
Para os petistas, basta uma palavra: mensalão. “O PMDB não tem nada a ver com o partido que combateu o regime militar”, constatou Jarbas.
Por que não muda de sigla? “Para onde irei?”, respondeu o senador com outra pergunta.
Melhor esperar a hora de fundar algo melhor no partido obrigado a tolerar o dissidente.
Sobram-lhe amigos no PSDB, mas falta o que chama de “formação tucana”.
E está cada vez mais distante do PT e do presidente. “O Partido dos Trabalhadores se apresentou como templo da moralidade até chegar ao poder”, lembrou. “Quando deixou cair a máscara, abriu a porta para a corrupção.” No fim de 2002, animado com o triunfo de “um ex-operário que havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética”, propôs que o PMDB apoiasse Lula “sem cargos nem benesses”.
Não demorou a decepcionar-se com o presidente que prefere fazer amigos e conquistar aliados por outros meios. “Sempre houve corrupção, mas o governo Lula provocou a banalização do escândalo”, registrou. “O Médici também era endeusado no Nordeste, mas ninguém desistiu de combater a ditadura por isso”, argumentou para justificar o desembaraço com que atravessa o samba-exaltação composto por institutos de pesquisa de opinião.
Em três páginas, Jarbas resumiu a extensa plataforma que deveria ser encampada pelos partidos de oposição.
Isso se ainda existissem.