Por Gustavo Krause Quem ficou surpreso com a entrevista do Senador Jarbas Vasconcelos, não o conhece ou, deliberadamente, esquece sua trajetória política.

Nem os mais ferrenhos adversários podem lhe negar os atributos do destemor e coragem cívica.

Correu riscos efetivos se colocando entre os chamados “autênticos” do então MDB em todo processo político de transição do regime autoritário para o regime democrático.

Outro ponto relevante: franqueza e lealdade para com os adversários e aliados, a despeito da retórica contundente. É o seu estilo.

Seu modo de fazer política.

E estilo é como o nariz, cada um tem o seu.

Não significa que seja melhor ou pior; que garanta maior ou menor sucesso na competição política, até porque não existe uma receita pronta para o que se possa considerar êxito nesta complexa empreitada. É diferente.

E esta diversidade de estilos é que dá um colorido à vida e, em especial, à vida das democracias.

Em certos momentos, Jarbas não hesita em usar o martelo.

No mundo das idéias e no espaço da política, há momentos em que é preciso usar o martelo.

Existiam e existem intelectuais, jornalistas, pensadores que “filosofam com o martelo” e investem contra idéias dominantes, verdades cristalizadas, e dogmas irredutíveis.

Existiam e existem políticos que, vez por outra, largam de mão as conveniências, os panos mornos, a dissimulação, para dar um choque no faz-de-conta da realidade mistificada.

Usa o martelo.

Ou a alta voltagem do que Dora Kramer, socorrendo-se de Al Gore, chamou de “Verdade inconveniente”. É preciso, de vez em quando, dar e receber choques. É preciso chacoalhar a letargia do conformismo, a subserviência asquerosa, a indignação reprimida, a venalidade descarada sem medir preços e conseqüências imediatas.

O futuro manifestará, mais cedo ou mais tarde, um agradecido reconhecimento.

E não me venham com o argumento cínico do “tem que provar”.

Jarbas não usou a retórica jurídica.

Não falou como advogado, logo seu discurso não é o libelo dos tribunais do júri.

Jarbas se expressou através de um dos direitos fundamentais do estatuto universal dos direito políticos: o direito de opinião.

No caso dele, Senador, devidamente protegido pela imunidade parlamentar cuja serventia é, precisamente esta, e não assegurar a impunidade dos delinqüentes, travestidos de representantes do povo.

Para denunciar o lodo moral e a mediocridade política, cada uma usa a arma de que dispõe.

Jarbas usa o mandato de Senador e a retórica política, legitimado que está, como representante do povo pernambucano.

Outros, um escritor, por exemplo, usa a literatura para desvendar o Brasil real aos olhos embaçados de sua população.

Isto me remete a uma obra clássica de Lima Barreto “Os bruzundangas”, postumamente publicada (1923).

O mulato Afonso Henriques de Lima Barreto foi grande escritor e jornalista.

Encarava a literatura com uma função social.

Suas assumidas inclinações anarco-socialistas, inspiraram a critica mordaz da sociedade de sua época, notadamente da República Velha e, como escritor militante, alimentava ele a esperança de despertar forças renovadoras de costumes sociais e práticas políticas.

O autor de “O triste fim de Policarpo Quaresma”, um mestre da sátira e da ironia, retrata, em diário de viagem, um país imaginário cujas mazelas – os privilégios, o poder oligárquico, as sanguessugas do erário, as desigualdades sociais, os apaniguados, os retrógrados, as propinas, o nepotismo – estavam entranhados nos costumes e na cultura política.

Bruzundanga, que era um decalque ficcional do Brasil, estava, assim, organizado: o Presidente, um deslumbrado idiota, era o “Mandachuva”; a Justiça era denominada “Chicana”; dez mil burocratas, não concursados (comissionados de hoje), formavam a “Guarda do Entusiasmo”, uniformizados de “povo”, para dar “vivas” ao chefe sem risco de a massa ignara errar o seu nome; o grande nome das finanças era o deputado Felixhimino Ben Karpatoso, situacionista e continuista, relator do orçamento que pregava menos impostos e aumentava a taxa sobre “o bacalhau da Noruega” e sobre todos os produtos concorrentes com os nacionais; o sistema eleitoral era viciado e, na falta de bolsas, os meios de convencimento do eleitor eram os “coronéis”, os “cabalistas”, os “capangas”, os “fósforos” (votavam pelos mortos ou ausentes) e a ata falsificada pelo “bico da pena”.

Bruzundanga tinha Constituição com artigos muito bons, inclusive, um nas disposições gerais que determinava: “Toda vez que um artigo desta Constituição ferir os interesses de parentes da ‘situação’ ou de membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação ao caso”.

Maravilha!

Lima Barreto foi o arauto do Brasil contemporâneo; Jarbas revisitou a Bruzundanga. É isso aí, tudo uma coisa só, e estamos conversados.

PS: O ex-ministro da Fazenda é colunista fixo do Blog de Jamildo, mas só escreve quando lhe dá na veneta.

Pluralidade até dizer basta, só o Blog de Jamildo é assim!