Por Carol Carvalho e Felipe Lima Mulheres e histórias de violência confinadas em apertadas celas, onde pouco espera-se do futuro, encontraram no trabalho a permissão para voltar a sonhar.

As detentas da Colônia Penal Feminina do Recife, localizada no Engenho do Meio, na Zona Oeste da capital, somam-se em 600 num presídio com capacidade para abrigar 150, mas para empregar 300.

Nos galpões da penitenciária - hoje divididos em 13 distintas empresas - as reeducandas costuram e embalam a chance de uma vida digna, tanto que o índice de reincidência na Colônia é de 9%, quando a média nacional chega a 80%.

Antes mesmo de abrir espaço para as empresas, a atual diretora da penitenciária, Ana Moura, tão logo transferida para a coordenação, em meados de 2000, buscou convênios para oferecer cursos de capacitação às detentas. “Sempre acreditei na mudança, principalmente daquelas pessoas que transgrediram, só que para isso você precisa dar oportunidade.

Parti então à procura de parcerias com o Sebrae, Senai e universidades, e consegui a implantação de cursos profissionalizantes na unidade”, lembra.

Desde então, as detentas têm aulas de design, costura, manicure, entre outras técnicas, dentro da Colônia Penal Feminina.

Com a boa aceitação entre as presas, Ana Moura decidiu dar um passo adiante e procurar diretamente os empresários.

E, pela ideia ousada, ouviu “não” diversas vezes, chegando inclusive a sofrer preconceito. “Foi um trabalho de formiguinha, todas as tardes eu saía da Colônia e ia nas empresas, conversava com os executivos, e muitos ficavam horrorizados.

Escutei cada coisa que me deixou chocada.

Um deles me disse que o preso merecia uma bala na cabeça em praça pública depois que a família pagasse aquela bala, como é feito na China.

Eu ficava desanimada, mas nunca pensei em desistir”, conta.

Isto até que conseguiu mobilizar a primeira empresa, com apoio internacional.

A pernambucana Trade Center iniciou o trabalho na Colônia com a embalagem de preservativo masculino, mas atualmente usa a mão de obra da penitenciária com a costura. “Fizemos uma parceria com o governo alemão, que doou as máquinas, nós capacitamos as detentas e montamos uma oficina industrial de costura”, conta Ana Moura.

A partir de então, depois de mobilizar também a marca de bicicletas Zummi, outros empresários tomaram conhecimento do projeto e dos benefícios - a exemplo da economia com os encargos trabalhistas, já que os presos não podem ter a carteira de trabalho assinada. “A Colônia fornece o espaço, mas as empresas constroem as oficinas, dão as fardas, pagam os salários e fornecem o material de proteção ao trabalho.

No contrato, é previsto ainda uma taxa que será revertida em conta de água e luz”, explica Ana Moura.

No início, eram 10 presas trabalhando na primeira empresa e hoje são mais de 300 nas 13 conveniadas, fora os serviços de costura que abrigam mais cinco.

Para Ana Moura, só o trabalho foi capaz de mudar a concepção de mundo das mulheres na Colônia. “Lembro claramente de uma detenta chamada Magdala, que foi prostituta e tinha aids.

Ela era a presa mais indisciplinada, e decidi dar uma oportunidade.

Vou cuidar de quem precisa, do filho pródigo, não é verdade?

No dia do pagamento, ela veio na minha sala chorando, querendo beijar a minha mão.

Me disse que nunca tinha vestido um uniforme de trabalho e jamais tinha recebido um salário.

Essa menina mudou da água para o vinho e nunca vou esquecer dela”, diz, emocionada.

A diretora da Colônia também leva fé de que o trabalho que desenvolve ajuda na diminuição da violência. “Eu queria provar que é possível uma unidade prisional ser transformada em uma grande empresa.

Agora quero criar na Colônia uma escola profissionalizante.

Faço um alerta aos empresários, eles têm obrigação com a responsabilidade social, cabe a essas pessoas contribuir para a redução da criminalidade.

Se não for assim, amanhã vão estar todos isolados, saindo de casa de helicóptero, vivendo em condomínios de luxo e lá fora a criminalidade batendo na porta”, defende.

BRASTEX NA COLÔNIA A unidade da Brastex na Colônia Penal Feminina do Recife funciona desde maio de 2008, das 08h às 17h, com 17 detentas trabalhando como reeducandas na separação e embalagem de algodão.

A empresa investiu R$ 30 mil na construção da pequena linha de produção dentro do presídio.

Todos os dias um caminhão chega no meio da manhã e recolhe 400 pacotes de um quilo cada (no jargão industrial, esse quilo se chama fargo e é um grande pacote com 40 sacos de algodão menores).

Rozilda Maria da Silva é empregada da Brastex e trabalha como coordenadora das atividades desenvolvidas no local.

Ela não esconde a alegria de ver as reeducandas dedicadas e felizes em estarem trabalhando. “É a minha maior recompensa.

Infelizmente, a sociedade não abraça essas pessoas.

Me preocupo com o psicológico delas, em ouvir os problemas.

Não vou dizer que nunca houve uma discussão.

Mas chamo a atenção na hora lembrando que elas são irmãs!”.

Religiosa, Rozilda confeccionou um pequeno cartaz com uma mensagem bíblica para dar mais ânimo às reeducandas no processo de ressocialização. “Nem olhos viram/ Nem ouvidos ouviram / Nem jamais penetrou o coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”.

I.

Coríntios 2:9. “Jesus ama todas elas e tem na palma da mão a história de cada uma.

Só deus é quem colocará o ponto final”, arremata Rozilda, preocupada que em março sai de férias e ficará distante de suas meninas.

Uma delas é Maria da Conceição Silva, 36 anos, que está na Colônia há 10 meses aguardando julgamento.

Não recebe visistas e sequer tem advogado.

Deixou do lado de fora da prisão, em Vitória de Santo Antão, a mãe de 85 bastante doente, sofrendo com as sequelas de um derrame.

Foi presa por roubar um aparelho de som na Avenida Dantas Barreto, onde trabalhava como camelô, vendendo confecções.

O dinheiro que ganha é pra ela. “Não mando para casa não.

Ninguém vem me visitar.

Nem minha filha de sete anos vem.

Ela vive com minha cunhada lá em Caruaru.

Tô trabalhando duro para sair dessa vida que eu não quero mais”.

Luísa da Silva, de 25 anos, está há quatro anos cumprindo pena por tráfico.

Estava com data certa para sair da prisão, mas foi pega traficando 100 papelotes de maconha dentro da unidade prisional, o que lhe garantiu uma ampliação da pena.

Agora, trabalhando, diz estar se sentindo bem. “Foi a primeira oportunidade que me deram.

Aqui é uma paz”, afirma.

Com o dinheiro ela compra roupa, creme e xampu.

Ela também sofre com a falta de visitas e familiares ou amigos.

Só a filha vem de vez em quando. “Mas ela não conversa comigo.

A gente só passa o dia, eu dou um beijo, um abraço.

Acho que é porque a gente está há tanto tempo distante né?

Mas vou erguer minha cabeça e continuar lutando”.

Lutar é o que Andréa Mendes de Oliveira, 30 anos, tem feito para conseguir cuidar de sua filha mais nova, Vitória de seis anos, que sofre de leucemia.

Com o salário de R$ 311 que recebe da Brastex, separa a maior parte para mandar a sua mãe, que cuida da garota e de outros três filhos, Stefanye (12), Eduardo (5) e Mateus (2).

Andréa sente raiva da falta de oportunidade fora da cadeia.

Justifica dizendo que tentou de tudo do lado de fora, fez cursos, correu atrás, mas não apareceu ninguém que lhe desse um emprego.

Já cumpriu pena por ter participado de um assalto a um taxista.

Ela conta que entrou no carro sem saber que ele estava sendo assaltado.

Queria apenas pegar uma carona.

Depois que conseguiu responder em liberdade, foi presa por roubar algumas peças de picanha juntamente com outra mulher, uma amiga que havia feito na época em que esteve na cadeia. “Me sinto mal lá dentro das celas. É abafado, a gente fica agitada.

Não tenho advogado, só Deus.

Agora eu sonho em ir trabalhar lá na fábrica para um dia ser contratada.

Preciso muito do dinheiro.

Só o leite que minha filha precisa tomar custa mais de R$ 150 a lata.

Quando ela estava em coma na UTI foi a oração que as meninas daqui da Brastex fizeram que ajudaram ela a se recuperar”, discorre, tentando mostrar o quanto estar trabalhando e dividir essa experiência com outras pessoas tem lhe feito bem, seja pelo dinheiro, seja pelo companheirismo.

As mulheres que hoje trabalham nas empresas que possuem unidades dentro da Colônia Penal Feminina do Recife foram selecionadas pelo bom comportamento e por terem mostrado interesse.

A cada três dias de trabalho, um dia é descontado da pena de cada uma delas.

Parte do salário que recebem é depositado em uma espécie de poupança, que é resgatada quando elas ganham a liberdade.

Leia os outros posts da reportagem especial: Se a gente acreditar nestas pessoas, elas largam o mundo do crime Emprego faz presidiária esquecer vida de barata na prisão, mas não a verve.

Vocês estão fazendo o que?

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