Por Felipe Lima Era a terceira vez que Lúcia Helena dos Santos tentava entrar com maconha no presídio Professor Aníbal Bruno.
Nunca deixava de ficar nervosa.
Afinal, eram quinhentos e cinquenta gramas enrolados com fita adesiva nas duas coxas.
Mãe de três filhos, estava atendendo um pedido do marido.
A droga seria vendida lá mesmo e o dinheiro usado para sustentar ela, que nunca conseguiu um trabalho, e as crianças.
Mas naquele dia, há oito anos, começava a pior época de sua vida.
Foi pega na revista.
Na hora, a primeira imagem que lhe veio à cabeça foi a dos filhos. “Ai faltou chão.
Me levaram para uma sala, me revistaram de novo para saber se eu ainda tinha mais maconha escondida.
Fui levada até a sala do diretor e de lá me levaram para a delegacia, onde fui autuada em flagrante.
No mesmo dia eu estava na prisão”, relata.
Antes de seguir para então Penitenciária Bom Pastor, veio o momento mais difícil.
A polícia lhe disse que era preciso comunicar seus pais do que aconteceu.
Atendendo a um pedido dela, os policiais procuraram logo sua mãe ao chegarem na residência deles.
Sem saber de nada do que estava ocorrendo, o pai de Lúcia Helena estava tomando banho.
O senhor era cardíaco e poderia não suportar ser o primeiro a ouvir a notícia.
A mãe estava tranquila dentro de casa, até que olhou da janela a viatura estacionando na frente do portão. “Ela pensou que eu tinha sido morta por causa do meu marido”.
Não teve tempo nem de se sentir aliviada, precisou ouvir a notícia que aqueles policiais vieram lhe trazer. “Minha filha?
Com drogas?
Não acredito”.
Pegou o telefone e ligou para a delegacia.
Do outro lado da linha Lúcia Helena não conseguia falar. “Tá vendo onde aquele homem lhe botou!
Nunca mais eu me esqueço dessas palavras.
Depois que eu ouvi, não tive condição de fazer mais nada a não ser cair em prantos”, relembra.
No outro dia mais dor.
A sua filha mais velha a reconheceu na televisão.
Tinha seis anos.
Não entendia o que estava acontecendo, só se assustou. “Vovó!
Vovó! É mamãe! É mamãe!”, gritava, apontando para a tela da TV que exibia a imagem de Lúcia Helena de costas, com os braços para trás algemados.
Lúcia Helena conta que nunca fez nada de errado e não sabia que o homem com quem vivia há nove anos era traficante e assaltante, até ele ser preso.
Marido e mulher de papel passado nunca foram. “A gente só morava junto”.
Tiveram dois filhos: Jonatas, hoje com 11 anos, e Marília, que tem 9.
Quando o conheceu, Lúcia Helena já era mãe de Jenifer, atualmente com 14 anos.
Foi ela quem a reconheceu na televisão.
Nas palavras de Lúcia Helena a prisão era o inferno vivo. “Acabou.
Acabou a minha vida.
Tudo que eu pensava é que não ia mais sair de lá”.
Tentou o suicídio duas vezes, logo nos primeiros meses em que estava presa.
Nas duas tentou se enforcar com o lençol dentro da cela.
Na primeira, os agentes penintenciários conseguiram impedir.
Na segunda foram as colegas de reclusão. “Já tinha desmaiado.
Estava toda roxa”.
Alegria só no dia em que os filhos iam lhe visitar.
Puxava o colchão da cela para o pátio, forrava com o lençol que havia lavado no dia anterior e esperava sua mãe trazer as três crianças e algumas comidas.
Das 08h às 16h, os cinco conversavam e matavam a saudade do abraço, do beijo e do carinho. “Era uma felicidade quando chegavam, mas era uma tristeza quando eles iam embora.
Puxavam a minha roupa, chorando, pedindo para que eu fosse com eles”, lembra, se esforçando para a voz não embargar, porém derramando algumas lágrimas discretas. “Bora mainha”.
Lúcia Helena lembrava dessas palavras durante todo o resto da semana seguinte.
Os filhos, acostumados a dormirem com a mãe, tiveram febres e delírios durante a noite. “Chamavam meu nome”, conta.
Os três tiveram acompanhamento psicológico.
Jonatas transformou a dor de não ter mãe do seu lado em raiva da polícia.
Só falava em matar policiais, pois eles não deixavam ela voltar para casa.
Lúcia Helena tentava explica o que estava acontecendo. “Mamãe fez uma coisa errada e está pagando pelo que fez.
Igual a painho.
Hoje eu faço de tudo para que eles não passem pelo o que eu passei”. “Eu tinha bom comportamento na prisão.
Fiz alguns cursos, participei de um grupo de jogral na Igreja.
Com oito meses fui julgada e deixaram com que eu cumprisse a pena em prisão semi-aberta, pois eu era ré confessa.
Foram três anos assim”, lembra.
Nunca trabalhou na vida.
O primeiro ofício veio durante a prisão, na Secretaria de Justiça. “Estava muito nervosa.
Mas me esforçava.
Trabalhava o dia inteiro, servia café e limpava as salas”.
Lembra com detalhes do primeiro dia fora da cadeia.
Na hora de atravessar a rua, teve medo.
Estranhou aquele movimento, estava desorientada.
Sentiu o vento no rosto e olhou para cima, lá no alto, em busca do sol que dentro da prisão lhe parecia infinitamente mais distante. “Lá dentro ele parece quadrado mesmo”.
Depois entrou no programa da Chefia de Apoio a Egressos e Liberados (CAEL) e recebeu a oportunidade de ir para a Brastex.
Durante um ano trabalhou como reeducanda na fábrica.
Mal sabia que estava prestes a vivenciar mais uma grande mudança.
Dessa vez, no entanto, teria início a melhor época da sua vida.
Quando recebeu o alvará de soltura, após três anos cumprindo pena, Lúcia Helena foi contratada pela Brastex. “Nunca tive documentos, imagine uma carteira de trabalho.
E para uma ex-presidiária é muito difícil conseguir um emprego.
Por isso que muitos voltam para a vida errada.
Não tem oportunidade”.
No dia em que assinou o documento que oficializava, de fato, o seu egresso a sociedade ganhou um bolo e uma festa na fábrica, organizada por seus colegas.
Expediente concluído, voltou para casa, olhou para os filhos e disse: “Mamãe está trabalhando”.
Se virou para sua mãe e falou: “Mãe, fui contratada”.
O pai não viveu o suficiente para ver a filha solta, faleceu enquanto Lúcia Helena estava na prisão. “Ser presa foi a derrota para mim.
Eu dei a volta por cima. É o que eu tento passar para as meninas que ainda estão lá.
A gente tem sim possibilidade, só precisa de uma chance.
Meu passado me condena.
Meu presente me absolve”.
Pela contratação de Lúcia Helena, a Brastex recebeu uma medalha de honra.
Ela havia sido a primeira mulher ex-presidiária a ganhar um emprego na América Latina.
Hoje é operadora de máquinas e volta três vezes por semana à Colônia Penal Feminina do Recife para ensinar as reeducandas do presídio o que aprendeu em seus sete anos de trabalho.
Se antes Lúcia Helena pensou em encerrar sua vida, hoje traça planos modestos.
Nem por isso seus olhos deixam de brilhar ao listar o que deseja adquirir ou falar do que já conquistou com seu salário. “TV, DVD, som e uma geladeira duplex que é um sonho.
Dei ao meu filho um carro de controle remoto.
Tudo com dinheiro limpo, suado, trabalhado.
Agora quero sair do aluguel e comprar minha casa.
Peço a Deus todos os dias.
A casa onde a gente mora custa R$ 9 mil.
Ai fica difícil, porque a gente tem que pagar aluguel, luz e água.
A minha filha mais velha quer um computador.
Já disse para ela: calma que eu chego lá”.
Difícil duvidar.
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