Prezado Jamildo, O texto que se segue é parte condensada de um artigo sobre o fenômeno carismático na política.

Acredito que, após anúncio de dados da pesquisa CNT-Sensus (Relatório 95), é de extrema importância lançarmos uma luz sobre a avaliação recorde do presidente Lula, mesmo em tempos de crise: Que tipo de força faz com que determinadas pessoas, em épocas e situações diferentes, sejam capazes de aglutinar em torno de si milhares de seguidores, de modificar a vida de comunidades ou mesmo de nações inteiras?

De fato, os membros de grupos carismáticos se mostram dispostos a matar e a morrer em nome de seus líderes.

Certamente a emergência do tema carisma está intrinsecamente ligada ao fenômeno social.

Os movimentos de 1968 mostram uma sociedade desencantada.

Na França, no Brasil, no México, o engajamento das massas seguiu motivações distintas, respeitando suas peculiaridades sociais, mas todos estavam juntos defendendo uma causa que transcende o individual.

Mas qual o significado disso tudo?

Seria a palavra “carisma” apenas uma maneira de categorizar e tentar capturar uma experiência completamente inexplicável?

Alguns estudiosos diziam que de fato era isto o que acontecia, ou seja, que carisma na realidade é um termo sem significado, de completa inutilidade para uma análise.

Infelizmente, eles não o substituíram, deixando-nos apenas com os acontecimentos destituídos de uma palavra para descrevê-los.

A questão que se coloca é se seria possível descobrir uma estrutura teórica no discurso sobre o carisma que nos ajudasse a dar sentido ao que parece sem sentido.

Podemos começar perguntando o que está vinculado à definição popular de carisma.

Virtualmente desconhecida pela geração anterior à nossa, a palavra “carisma” hoje faz parte do vocabulário do público em geral, e obviamente supre uma necessidade de conceitualizar e categorizar exatamente os tipos de engajamentos em cultos, e os extraordinários fenômenos de massa já mencionados na política.

Contudo, seu significado tem sido ampliado para definir não apenas o surpreendente envolvimento de devotos e fanáticos ou mesmo o fervor das multidões, como também a veneração a famosos astros do cinema, heróis do esporte e políticos ao estilo Kennedy – veneração que vai muito além da admiração por alguém com talentos especiais.

Entretanto, o uso popular do termo vai mais longe ainda.

O teórico social Bertrand de Jouvenel reproduz a opinião da massa quando explica que o relacionamento informal, em qualquer grupo, é produto da “capacidade individual de cada um de aderir ao conjunto”, capacidade esta que nada tem haver com posição, poder, ou vantagem, mas emana fundamentalmente de um magnetismo pessoal iminente (1958: 163).

Quando uma das pessoas entra numa sala, todos se voltam para olhá-la, e os que não possuem aquele atributo mágico tentam ficar próximos dela; querem ser amados por ela, despertar sua atenção e tocá-la.

O coração dos admiradores dispara quando a pessoa atraente chega perto.

Essa capacidade é, entretanto, uma qualidade admirada e invejada; imagina-se, talvez com razão, que leve ao sucesso no amor e no trabalho.

No ocidente, nós definimos e explicamos essa atração magnética de outras pessoas como carisma.

Mesmo nas relações pessoais mais íntimas, o conceito de carisma é usado, uma vez que a forte atração pelo ser amado no primeiro entusiasmo do amor romântico também é definida, na cultura popular ocidental, como “carismática”.

O ser amado, no imaginário romântico, é visto como tendo o mesmo tipo de magnetismo intrínseco, fora dos padrões do pensamento e da lógica comuns, e é considerado pelo que ama como especial, notável e extraordinário em todos os sentidos.

Por causa de tais qualidades, o amante quer obedecer ao ser amado, assim como os seguidores querem obedecer ao líder.

O paralelo entre o amor e o carisma é profundo e voltarei a ele na conclusão.

Por enquanto, quero dizer apenas que na cultura ocidental a idéia de atração carismática é uma maneira de falar de certos aspectos emocionais da interação social, tanto no nível dos movimentos de massa, quanto, em escala menor, nos acontecimentos da vida social cotidiana.

Em cada nível, do mais individual ao mais abrangente, permanece o conceito de uma ligação compulsiva e inexplicável unindo o grupo de seguidores em veneração conjunta a seu líder, ou unindo o amante ao ser amado, comumente simbolizado pela imagística do carisma.

Há ainda outro aspecto além da mútua interação do líder e do seguidor.

Assim que a multidão se aglutina em torno do líder, ela assume características particulares de exaltação, desprendimento e intensidade emocional que estão além daquelas da consciência comum dos indivíduos envolvidos, que, em função do sentimento de atração, perdem suas identidades pessoais na veneração ao outro carismático.

Na sociedade ocidental o carisma é considerado uma “força poderosa”, como dizem os físicos; ele é capaz de unir pessoas de uma forma que transcenda e metamorfoseie as personalidades de seus seguidores – e, muito provavelmente, a personalidade do próprio líder.

Assim, compreender o carisma não implica somente o estudo da personalidade carismática e dos atributos que tornam qualquer indivíduo suscetível ao apelo carismático no qual o líder e seus seguidores interagem.

Essa dinâmica que podemos observar de fora parece ser poderosa e ambivalente ao extremo, muito desejada e muito temida, e é moralmente concebida tanto como o mais alto grau de amor altruístico quanto como o último estágio do fanatismo violento.

Finalmente, podemos dizer que o carisma tem uma força estrutural implícita como um processo que acontece ao longo do tempo e sob certas condições, à medida que seus participantes se tornam mais ou menos comprometidos, se apaixonam ou deixam de se apaixonar.

E, uma vez que é evidente que o comprometimento carismático varia conforme o seguidor e o líder, prevalece com mais intensidade em alguns momentos históricos do que em outros, torna-se necessário contextualizar qualquer estudo sobre esse tipo de comprometimento, mostrando a relação entre as circunstâncias e as perspectivas de uma relação carismática. É evidente que a noção de carisma, embora amorfa, possui um conteúdo capaz de fornecer parâmetros para uma análise mais profunda.

PS: Evandro Silveira Neto (historiador, cientista político, conselheiro de ética do PSDB-PE, presidente da Juventude Tucana seccional Recife e diretor-presidente da POLITIK CONSULTORIA)